A CONSTRUÇÃO DUM ESTIGMA

Numa aula de psicologia social, numa Faculdade de Lisboa, foi mostrado um vídeo sobre uma experiência que ocorreu em França, conduzida por uma conjunto de cientistas na área da psicologia comportamental.
Esta experiência, que começou por ser feita numa escola de ensino básico onde se verificavam alguns distúrbios étnicos/raciais, consistiu no seguinte:
Um dia a professora chega à aula e diz:
- Meus meninos acabo de tomar conhecimento duma descoberta científica que prova, sem margem para dúvidas, que as pessoas loiras e de olhos azuis são muito melhores pessoas e muito mais inteligentes que as de olhos castanhos.
Aliás, eu sou professora, inteligente e boa pessoa porque sou loira e de olhos azuis.
Bom, e perante uma descoberta cientifica absolutamente comprovada, vou começar a organizar a aula de acordo com os conhecimentos que acabo de adquirir.

E, perante a perplexidade dos alunos, divide a turma em duas facções distintas: a dos loiros de olhos azuis e a dos morenos de olhos castanhos. Também para que não se misturassem no recreio, pôs braçadeiras de cores diferentes a uns e a outros.

Sempre que um garoto de olhos azuis respondia acertado às matérias da aula, a professora incentivava-o dizendo: - ele é bom e sabe muito mas dum garoto de olhos azuis não poderia ser de outra forma.
Porém se um garoto de olhos castanhos falhava a resposta a professora dizia: - que se pode esperar de alguém com cabelo e olhos castanhos senão que diga asneiras e que seja mau?
Se um garoto se comportava mal e tinhas olhos castanhos logo a professora atribuía a essa característica genética a razão do mau comportamento.

E se até então havia bons alunos, tanto entre os garotos de olhos azuis como os de olhos castanhos, esta estigmatização de uns e a elevação de outros, veio alterar profundamente os resultados.

Os de olhos castanhos tornaram-se mais agressivos, indisciplinados e desmotivados e os resultados caíram por igual, enquanto os de olhos azuis melhoraram a performance em todas as matérias.

Esta mesma experiência foi também feita com adultos numa escola da marinha francesa e o resultado foi exactamente o mesmo.

Quando foi explicado aos alunos duma e doutra escola que se tratou duma experiência eles contaram (os de olhos castanhos crianças e adultos) o quanto sofreram com esta estigmatização sobre algo que não podiam mudar, que os manietava e humilhava impedindo-os de viver e desenvolver naturalmente as suas aptidões. Reconheceram quanto por vezes foram cruéis para outros colegas e consideraram ter sido uma grande lição esta que aprenderam.

O ser humano acompanha as expectativas e os preconceitos que temos em relação a ele. Muito dificilmente alguém, duramente estigmatizado, consegue ter confiança em si próprio e acreditar que será bem sucedido.

O indivíduo estigmatizado é levado a pensar que, faça o que fizer, não mudará o que os outros pensam dele e, portanto, mais vale não mudar. Se é mau ainda será pior porque mesmo que o não seja ninguém acreditaria.

Em contrapartida incentivar e levar a uma boa auto-estima pode operar milagre porque, também aqui, o indivíduo procurará corresponder só que desta vez pela positiva.


Notas Soltas em Comentários:

(cursor do rato sobre o texto, pára o movimento, retirando-o retoma)


As expectativas que criamos das pessoas em função do sua presença física é o motor das relações sociais hierarquizadas. Um "boa imagem" que cumpra os parâmetros do "boa figura" é condição necessária.Pata Negra


...o facto dum indivíduo, atacado pela censura social, regredir como pessoa e como ser solidário.... o estigma forma à sua própria imagem os seres que atinge.Lídia


...os africanos são mais burros que os europeus. E não aceitava os argumentos dum menor background pelas limitações do meio de origem.
Ela queria lá saber. Eram mais burros e pronto. M.Mendonça


...se tiverem a informação que somos homossexuais, seropositvos, prostitutos, toxico dependentes, reclusos ou ex-reclusos ou sem-abrigo. Mas qualquer dos que atrás falo é muito mais que o rótulo que lhe puseram e tem a sua história de vida, o seu carácter e as suas referências... Mary


O estigma manieta, fere, isola. Mesmo que se queira fugir dele não se pode porque não se tem para onde. Que vale alguém querer libertar-se do estigma se ele segue esse alguém para todo o lado como se fosse uma sombra? Louise


...eu admiro e elogio todos os estudos cientificos em prol da humanidade. Embora haja estudos que, não deixando de ter a sua veracidade e importância, depois de aplicados causam deformidades. Sérgio Figueiredo


O problema é que todos nós criamos estigmas... Quantos pais se referem aos filhos como sendo "burros" ou menos capazes do que A ou B?! Carol


...que intenções pretendeu o sr presidente? será fazer notícias para estigmatizar a juventude e por simpatia professores para enaltecer apenas as ideias dos políticos profissionais? ou será que quando não se tem nada para dizer...António Delgado


O que mais me preocupa é a alteração do rendimento escolar que passou a ser consequente com a divisão/segregação que foi feita pela professora. Abel Marques


O estigma põe as nossas pernas a andar para traz. É um peso que nos faz regredir. Pode ser que alguém "picado" possa querer provar o contrário ...G.Brito


É uma porta fechada
no campo da afeição,
é um murro em cada peito
onde bate um coração.
Boris


...até aos dias de hoje o Alentejano é um caso tipico de estigma... não vejo diferença alguma entre os demais habitantes do nosso País, mas que carregam o fardo de sofrerem de preguicite aguda isso carregam ...Coragem


...custa a crer que o estigma esteja tão banalizado ao ponto de fazer parte do quotidiano como se tratasse de algo absolutamente normal. Sheila


...ainda é mais triste porque algumas pessoas gostam de inventar o que lhes apetece. Não, no caso que referi ela até não se "porta mal" mas faça o que fizer terá sempre a mesma fama! Há quem goste das coisas muito certinhas e aí os estigmas também aparecem!!! Amigona


...utilizadas como cobaias porque sabe-se que só numa idade posterior o pensamento abstracto se enconbtra totalmente incorporado. Pergunto-me se essas crianças não ficaram com nenhuma fragilidade e que um dia o "estigma experencial" não emerja em força. Eremit@


...um amigo que foi toxicodependente e, nessa altura, roubou e esteve preso. Com a ajuda de amigos a familiares conseguimos tirá-lo do fosso. Ele acabou o curso, fez um mestrado...René


...não é propriamente a experiência mas a facilidade como um estigma se dissimina e se transforma em verdade absoluta tirando a alegria de viver e a força de lutar e deixando os seus alvos sucumbidos...Michael


As pessoas transportam o seu passado estigmatizante como uma cruz. Conheci uma miúda que era lésbica e os pais afastavam dela as suas filhas...Joseph


No reino animal o ser humano é o maior "predador" emocional e físico em prol do seu ego! Basta olhar para os estigmas existentes em certas culturas e locais...onde a bestialidade humana não tem qualificação, cor, sexo e credo. Fatyly

O ESTIGMA


Nada é mais doloroso nem mais cruel e injusto do ponto de vista humano. O estigma mata e destrói mais vidas do que a própria morte e deixa no seu percurso milhões e milhões de mutilados.

Porque não há defesa em relação ao estigma. Ele vem de mansinho e rouba-nos tudo, em plena luz do dia, sob o olhar complacente de todos. Ele está em todo o lado e manifesta-se das mais diferentes formas.

As pessoas perdem a identidade e assumem conotações mesmo nas sociedades tidas como mais evoluídas e civilizadas. Aponta-se, por exemplo, o filho dum determinado recluso como sendo o filho do tal fulano que assaltou a bomba de gasolina. Aponta-se a dedo os pais que têm um filho anormal como aquele fulano ou aquela fulana que é o pai ou a mãe daquele indivíduo que é surdo-mudo ou que nasceu sem pernas.

Pior ainda acontece quando determinada característica assume contornos passíveis doutro tipo de especulação. Conheço os pais de uma tóxica dependente que tem passado por processos extremamente penalizantes que vão das tentativas de suicídio ao dormir na rua. Os pais pessoas de bem, estimadas e amadas, chegaram a um ponto que tinham vergonha de sair à rua e desabafavam comigo: toda a gente acarinha uma pessoa com cancro. Nós temos um problema igualmente demolidor, sofremos imenso mas ninguém se compadece. É como se merecêssemos pagar por algo que não fizemos.

Também as crianças, no convívio umas com as outras, se revelam extremamente cruéis. Apontam, sem dó nem piedade, as fraquezas, os ditos defeitos, comprazendo-se em humilhar e diminuir o colega indefeso.

Li, não há muito tempo, na comunicação social que, numa determinada escola, um rapazinho sujeito a quimioterapia, e que perdeu o cabelo, era achincalhado e batiam-lhe, inclusive nas casas de banho, ao ponto da mãe ter que o mudar de escola.

Às vezes interrogo-me que mundo é este que deixamos de herança aos nossos filhos e em que as tecnologias espectaculares, que lhe deram uma nova dimensão, não se fizeram acompanhar por sentimentos desenvolvidos em termos sociais e afectivos.

A comunicação social na sua preocupação de vender bem e/ou captar audiências, procura evidenciar a dor mesmo que para isso humilhe e marque. É frequente ler-se e ouvir-se notícias que começam, por exemplo, assim: indivíduo (s) africanos ou de etnia cigana. Mas as mensagens que alimentam a discriminação são mais que muitas. Estão na publicidade, nos estereótipos do belo e do perfeito e do socialmente aceitável.

Apesar de Portugal ser uma País com boa integração dos imigrantes das suas ex-colónias, ainda tem um longo caminho a percorrer até chegar à igualdade de oportunidades e não-discriminação. É sobretudo na etnia cigana que recaem os principais estigmas. O cigano é, para o português comum, um potencial vigarista e logo alguém pouco fiável para se dar emprego. Nem que seja a melhor pessoa do mundo e a mais capaz. Esta situação conduziu mesmo a uma queixa na Comissão Europeia dos Direitos Humanos e a vários trabalhos sociológicos de que destaco o de Maria Manuel Ferreira Mendes “Nós, os Ciganos e os Outros”. Eu própria me debrucei, em tempos, sobre esta matéria falando com ciganos de várias áreas. Uma rapariga desta etnia, com formação em línguas modernas pelo ISLA, tendo concorrido a um lugar de recepcionista num complexo turístico, viu ser-lhe imposta a condição de não usar trajes tipicamente ciganos para ser aceite. A jovem ficou perplexa e pergunta: As minhas roupas compridas são menos adequadas do que o da jovem com a barriga descoberta e um piercing no umbigo?
Também um comerciante cigano me afirmava: eu sou vigarista porque vendo contrafacção e quem a compra sabendo que é contrafacção o que é?


O estigma, o cruel estigma está em todas estas manifestações da vontade social. E mais do que o vírus do HIV propaga-se irreversivelmente devastando e ceifando vidas. O recluso não pode deixar de ser recluso porque por mais boa vontade que tenha na sua reclassificação a sociedade rejeita-o pelo seu passado. O mesmo acontece ao tóxico dependente e à prostituta. Fazem-se testes e tiram-se informações para os excluir dos concursos e das vagas de emprego.

A sociedade está feita para gente bonita e bem sucedida. Gente que obedeça a certos padrões tidos como perfeitos. Doentes, velhos e deficientes dificilmente são olhados como um potencial humano contributivo para o avanço da humanidade. Uma espécie de estorvos que é preciso eliminar.

Porém, e bem antes que outra morte os leve, damos-lhe esta morte na vida: a de nunca serem olhados como nossos iguais. A de sentirem-se um produto que resta sobrante na escala de valores, demasiado rígida e definida para estas contemplações.

Porém, os algozes mais cruéis que estes grupos fragilizados encontram, não são só os que estão dentro da norma-padrão e se sentem por isso superiores. Também outros igualmente vulneráveis em termos de atributos socialmente valorizados se apresentam como potenciais castigadores por odiarem quem representa as suas próprias feridas.

Esta é, aliás, a teoria do espelho que foi defendida, por alguns psicólogos, no caso da Gisberta, o transsexual assassinado por garotos duma instituição.

Mas porque tudo isto faz parte dum tema que merece ser discutido e que é muito vasto, deixo esta primeira abordagem que continuarei noutras seguintes.

O tema HIV merece uma abordagem específica sobre o estigma e a segregação. Todavia não é possível falar do HIV sem falar de todo este contexto social em que a doença surge e se desenvolve.

Lídia Soares

Relações Serodiscordantes

A infecção pelo HIV, actualmente entendida como uma patologia crónica, que permite aos infectados, usufruirem de uma vida em pleno, como qualquer pessoa não infectada, possibilita aos seropositivos a possibilidade de se apaixonarem por alguém, de constituirem familia e de poderem ter uma vida a dois, repleta de unidade e de amor, como qualquer outra pessoa. Consequentemente, quando nos apaixonamos por alguém, essa paixão não é, nem poderá ser condicionada, à serologia da pessoa pela qual nos apaixonamos. Gostamos de alguém, por aquilo que esse alguém representa para nós, independentemente de esse alguém, ser ou não ser seropositivo. Cada vez é mais comum a existência de relações amorosas, em que um dos parceiros é seropositivo. A este tipo de relações, e porque vivemos num admirável mundo novo, decidiu-se chamar relações serodiscordantes. Porque somos todos diferentes, para que possamos ser todos iguais, a seropositividade de um dos parceiros numa relação amorosa, deverá constituir apenas uma, e mais uma, entre tantas outras diferenças entre pessoas diferentes, que anseiam por serem iguais, em sentimentos e objectivos de vida a dois.
No entanto, a seropositividade de um dos parceiros, não é entendida como um simples pormenor no relacionamento amoroso. Por si só, constitui um grande desafio à vida do casal, no seu dia a dia, nas mais diversas vertentes. Sexualmente, existe um grande medo e receio, por quaisquer riscos de contágio, caracterizando-se as relações sexuais, por relações de sexo seguro, todas, sem excepção. Nem o elemento seropositivo pretender infectar o elemento seronegativo, nem o elemento seronegativo pretende ser infectado pelo elemento seropositivo. Porém, não passam um sem o outro, e sabem porquê? Porque se amam, e o amor ultrapassa barreiras, ganha batalhas e vence a guerra dos medos e dos receios. Pode e deve haver sexo na vida do casal serodiscordante, desde que, se cumpram as regras. Cumprindo-as, o sexo vem trazer saúde e bem estar à vida de ambos e fomentar a relação, cimentada em paixão e em amor.
O cumprimento das regras, baseia-se essencialmente na utilização do preservativo, como sempre se utilizou na prevenção da gravidez indesejada, pelo que, não se trata de um bicho de sete cabeças. Por outro lado, caso ocorra acidentalmente um rebentamento do preservativo, existe a terapia PEP, que sendo administrada nas horas seguintes após a ocorrência do acidente, possibilita ao elemento seronegativo, não ser infectado pelo HIV, de uma forma eficaz e segura. A terapia PEP, consiste em ser administrado ao elemento seronegativo uma tratamento antiretroviral durante 28 dias, impossibilitando assim, que o virus se instale, definitivamente no seu corpo.
Existe também o desejo da procriação, o objectivo de ter filhos, que trazem ao casal, a verdadeira constituição e evolução da familia propriamente dita. Existem já técnicas cientificas, que permitem ao casal, poder trazer ao mundo um filho não infectado. Caso seja o homem o elemento seropositivo, existe a lavagem de esperma, que permite retirar as particulas virais do esperma para posteriormente ser inoculado no útero da mulher. Infelizmente, esta técnica em Portugal é uma miragem, como tantas outras miragens, que pairam sobre o nosso horizonte. Caso seja a mulher o elemento seropositivo, existem técnicas durante a gestação, que permitem reduzir muito significativamente, a possibilidade do bébé ser infectado. Aqui, o nosso país dispôe de um seguimento eficaz da mulher seropositiva, para que tal seja possível. A taxa da possibilidade do bébé ser infectado é actualmente inferior a dois por cento, o que é muito significativo.
Por último, existe também a possibilidade da adopção, a qual considero salutar e de valor acrescido, pelo que a mesma representa um acto de uma humanidade incalculável, ao proporcionar a uma criança entregue a uma instituição, o calor de uma familia real e concreta.
Ao aprofundar o tema que vos trago hoje, concluí também, que as relações serodiscordantes funcionam em pleno entre quatro paredes. No entanto, é comum o transporte para exterior ser complicado. A titulo de exemplo, é comum o elemento seronegativo, ter dificuldade em explicar à familia e aos amigos, que se relaciona com uma pessoa seropositiva e tal facto promove que a relação seja isolada do mundo exterior.
A meu ver, e porque vivo uma relação serodiscordante, intensa em todas as vertentes, que suporta toda a minha vida e me faz feliz a cada momento que passa e em todos os momentos da minha vida, todos os obstáculos são francamente ultrapassados, desde que haja, aquilo que no fundo cimenta a relação serodiscordante, ou não, e que se chama amor. O amor resiste a tudo e a todos e resiste também ao HIV.
Provavelmente, muitos dos leitores, a esmagadora maioria, jamais admitiriam a possibilidade de se relacionarem com alguém infectado pelo HIV, pelo risco de poderem ser infectados.
Provavelmente, muitos dos leitores, correm um risco muito maior ao pensarem assim: o risco de viverem sem amor, para o qual não há tratamento, nem a curto, nem a médio, nem a longo prazo.
Paulo

A quem devo dizer, que sou seropositivo?



Ninguém está preparado, para receber a notícia da infecção, por muito informado que seja.
Há necessidade de desabafar com amigos ou familiares as suas angústias, nesse momento de dor profunda.
O grande problema, devido à carga negativa do HIV que está sempre associado à exclusão, ao estigma e à morte, é escolher as pessoas certas a quem dizer, pressupondo que essas pessoas lhe poderão dar o apoio e o carinho que nesse momento são essenciais nesta nova fase da sua vida.
No meu caso foi tudo muito de repente, e tinha a obrigação de contar a 3 pessoas apenas que eram a minha mulher e os meus dois filhos, decisão que tomei no momento em que me deram a notícia.
Eu não estava preparado e não havia tempo nem conhecimento para preparar a família. Sabiam que eu tinha feito o teste ao HIV, pois tinham sido informados por mim.
Havia a possibilidade da minha mulher ter sido infectada por mim. Havia da minha parte, o medo de transmitir o vírus ao meu filho, (paranóia minha por falta de conhecimento) pois nessa altura começavam a aparecer-lhe os primeiros pelos da barba, e ele ocasionalmente usava a minha gilete para tirar a penugem, que o começava a incomodar.
Eu não tinha escapatória tinha mesmo de dizer aos que viviam comigo. Não havia intenção da minha parte de dar conhecimento a outros familiares, pelo menos nesta fase inicial.
Cometeram-se erros e o principal foi num telefonema, a minha mulher ter desabafado com a desbocada da minha sogra, que é mais eficaz em espalhar noticias que não deve, do que qualquer meio de comunicação de massas. Como fogo soprado pelo vento num ápice toda a gente sabia e não só familiares.
Na altura a internet ainda não era o meio de pesquisa que é hoje, e a informação sobre a doença era escassa. A realidade de há 11 anos atrás e a de hoje são diferentes, e a net deu o seu contributo na informação o que é muito importante.
Recorda-me que nessa altura eu estava desesperado, o fantasma da morte a curto prazo ocupava os meus pensamentos a toda a hora. Tinha de sair do fosso. Necessitava de falar com outros seropositivos, para saber como era. Esse contacto com seropositivos e frequentar grupos de auto ajuda permitiu erguer-me de novo e começar a dar os primeiros passos na aceitação da doença. Psiquiatras, indicados pela médica infecciologista, não ajudaram, pois no meu caso não tinham formação profissional, para ajudar um doente com HIV.
Foi o apoio de outros infectados que me ajudou a entender a infecção pelo HIV, e foram eles que despertaram em mim o sentimento de que estava vivo, que não morreria em breve e acima de tudo que podia ser útil a muita gente com os conhecimentos que ia adquirindo sobre a doença.
Os tempos mudaram, mas as necessidades do novo infectado falar livremente sobre a sua doença e ter alguém com quem desabafar mantêm-se. Na minha opinião deve apenas revelar a sua seropositividade a um pequeno número de pessoas mais próximas para procurar algum conforto. Encontrar pessoas com o mesmo problema, mesmo que virtualmente é um passo de gigante. Embora nem todos tenham ainda acesso à internet, é uma ferramenta muito útil nos primeiros tempos. A procura de informação pode no entanto ser nefasta pois, há a tendência a fixar os aspectos negativos da infecção e dos medicamentos e respectivos efeitos secundários. Quando encontram outros infectados experientes com quem possam trocar impressões o milagre acontece e os fantasmas desaparecem. A razão por que mantenho este blogue e dedico muito do meu tempo a ele parece óbvia. Outra das razões é prevenir novas infecções alertando para o facto de que a SIDA existe. É preciso preparar pessoas para entenderem o HIV, e aceitarem com normalidade a noticia vinda de um amigo ou familiar e o poderem ajudar nesta fase difícil da sua vida.
A quem devemos dizer, onde procurar ajuda, e é necessário ou não , revelar a nossa infecção?
Que apoio poderemos dar a quem nos procura e qual a melhor maneira de o fazer?
É este o “Debate” que vamos iniciar e a moderação do mesmo fica a cargo de Lídia Soares do Silêncio Culpado.
A sessão está aberta podem formular as vossas questões e dar a vossa opinião através dos comentários.
Um abraço do Raul

Notas Importantes em Comentários:

(cursor do rato sobre o texto, pára o movimento, retirando-o retoma)


…chamar a atenção para a ausência dum gabinete de apoio e aconselhamento especializado que nesta como noutras doenças, deveria estar activo junto dos doentes que são confrontados com verdades irredutíveis.
Considero inadmissível que se coloquem pessoas numa situação de autêntico desvario e desamparo e as deixem sozinhas no meio do pânico e da incerteza. Lídia


Primeiro Apoio:Quando saí do gabinete médico a minha mãe esperava-me em pé,olhou para mim e perguntou-me: é? Acenei-lhe afirmativamente. Baixou os olhos, pegou no saco que transportava, e fomos lanchar, de braço dado, sem proferir uma única palavra. Paulo


...Entre a casa dos meus Pais e a minha foi vivendo,os amigos iam morrendo, os que não eram infectados afastaram-se, ou ele se afastou!!!
Hoje tenho a certeza, que ele de certa forma desistiu de lutar.
Até porque nunca foi bem tratado pelos (meus) proprios Pais. Coragem


...tive uma colega que me escolheu para ser sua confidente...não posso dizer que éramos GRANDES amigas (o tempo não deixou) mas ela sentiu que podia estar comigo, que eu estaria a seu lado e foi isso que aconteceu no pouco tempo que estive com ela...hoje recordo-a com muito carinho e sinto-me feliz por a ter conhecido...Amigona Avó


A quem dizer, é o que está em debate?
E dói-me só de ver esta pergunta.
Dói porque mostra que aqueles que amamos e julgamos que nos amam podem ser e para muitos foram, uma surpresa negativa senão a questão não se punha. Eremita


Na realidade somos muito solidários e revoltados quando nos bate à porta aquilo para o qual nunca ligámos.O ostracismo começa em nós.O que fazemos para aceitar os outros como eles são?Não podemos dizer mais que A SOCIEDADE É SEGREGADORA, sem reflectirmos que a sociedade somos todos nós. M.Relvas


... ele matou-se porque estava sozinho.Tal como o sociólogo Émile Durkheim também eu defendo que, nem mesmo num acto tão desesperado e individual como é o de tirar a si próprio a vida, o indivíduo decide o momento de morrer. É sempre a sociedade que determina, através das condições que proporciona, esta decisão extrema e solitária. Lídia


... quem se encontra de frente para esse muro de pedra, deverá na hora "partilhar" com quem lhe apetecer e sobretudo em quem confia, embora por vezes os que se dizem grandes amigos são os primeiros a virarem as costas. Fatyly


...o Estado tem que disponibilizar especialistas que saibam dar a noticia e acompanhar o doente e até sirvam de ponte entre os doentes e os familiares ou outros a quem eles tenham mesmo que dizer que são portadores do HIV. Mary


Tristemente, por vezes é nos momentos mais duros da vida que constatamos que certos afectos que julgavamos seguros, não o eram tanto assim. Felizmente tudo na vida se refaz e por isso é importante ter o espírito e a porta aberta para deixar aproximarem-se os que verdadeiramente se preocupam e nos querem bem. Maria


É preciso ser informado
para poder prevenir
e é preciso ser honrado
para contar sem mentir.

Gosto desta gente boa
que se une e fala bem
já não gosto de "arrebentas"
que não interessam a ninguém.
Boris


...devem existir centros de apoio especializados para conduzirem estas situações e potenciarem a vida integrada de quem precisa de amparo.
Aposto que estão inscritos nos centros de emprego muitos psicólogos sociais e clínicos, sociólogos e outros técnicos sociais. C.Coelho


...mesmo quando o infectado pelo virus da sida encontra um bom nível de aceitação familiar,precisa de ajuda de pessoas formadas e dedicadas a compreender a parte psicológica do indivíduo infectado que fica inevitavelmente alterada. G.Brito


...ele suicidou-se pela forma como lhe foi comunicado e pela falta de apoio que sentiu. Porque ele era exactamente a mesmissima pessoa que era antes de saber. Não foi o sofrimento da doença que o matou. Foi a dor moral. Isto é inadmissível. Lídia


...estamos a contribuir para a morte moral que conduzirá à outra morte.
É indispensável que se preserve a capacidade do doente do HIV continuar a contribuir activamente para a sociedade única forma de não lhe tirar o sentido da vida. Louise


Ninguém tem que esconder VIH como um crime ou uma vergonha mas tem que haver frontalidade em certos casos em que se impõe que se fale no assunto. Abel Marques


Revelar também é cidadania porque é um aviso para que outros não caiam no laço, pois o preço a pagar é caro demais.
É Ato corajoso e humanitário revelar , é repartir a dor. Ray - Arte Autismo


Em relação ao apoio de psicólogos,sei que a maior parte dos hospitais tem poucos e com pouca formação nesta area porque na universidade aprendemos pouco sobre VIH. Biby


...enquanto a nossa atitude for de distanciamento e de alheamento desta realidade, corremos o risco de haver quem não saiba a quem recorrer em busca de apoio e simplesmente desista. Zé Povinho


A quem contar que se está contaminado pelo virus? Quem eu acho que deveria receber essa notícia tão difícil de dar: Contar para as pessoas mais próximas, para aquelas que além de CONTAR PARA ELAS pode-se CONTAR COM ELAS daí pra frente. Odele Sousa


A comunicação social tem aqui responsabilidades de monta porque extrapola as emoções e esconde o que fica para além da dor visível. O gosto circense não permite que se perca tempo com detalhes como informar nas escolas, nos centros de saúde, em acções de formação parental. Sheila


Estão aqui bases para um estudo, trabalho, documento, enfim o que se lhe queira chamar em que teremos que equacionar os problemas não-físicos dos infectados pelo HIV, problemas bem mais delicados e dolorosos que a própria doença em si. Robin Hood


Aqui defendo a importância extrema do doente ter uma ocupação, trabalho e outras motivações que permitam viver tão saudavelmente quanto possível do ponto de vista psicológico. E, naturalmente, realizar-se como qualquer outra pessoa. Lídia


Tema impressionante. Comento muitos assuntos com á vontade, certo ou errado, pouco importa, mas defendendo os meus pontos de vista. O problema é que existem temas como este, que me transmitem uma completa sensação de impotência e insegurança. António Almeida


A assumção desta doença perante outrém é de facto digna de muita coragem, pois as repercussões podem ser muitas. Nem toda a gente sabe o que é o HIV e o medo pode invadir as pessoas que poderão tomar atitudes irreflectidas... Nuno

Galardão Sidadania



Decidimos atribuir a comenda da Ordem da Solidariedade Sidadania, relativa ao mês de Abril, aos blogues "SOL POENTE" e "RISCOS DE VIDA", pela qualidade inequívoca com que fundamentam o seu conteúdo e pela generosidade inegável com que abraçam a causa da SIDA, fazendo dela, uma causa para a vida, de todos aqueles, a quem o tema é motivo de força maior, no que se refere, na sua essência, à prevenção, à desmistificação e à solidariedade com todos os infectados, afectados e população interessada por uma patologia, que a todos diz respeito, em todas as suas vertentes. O Sidadania congratula-se pela atribuição do presente prémio, cujo merecimento por parte dos blogues premiados, é motivo de orgulho constante para nós. Aproveitamos para agradecer o contributo prestado, contributo esse de inquestionável valia para o mundo contemporâneo.
Paulo

Campanha "Um texto sobre SIDA"



O convite que fiz aos blogues amigos, para escreverem nos seus blogues um texto sobre o HIV/SIDA, está a dar frutos e já vários blogues publicaram os seus artigos.
Na barra lateral, do SIDADANIA, na rubrica “DESTAQUE” estão excertos desses textos, e no final de cada um está um link directo para os leitores os poderem ler .
Os textos em movimento, podem ser parados a qualquer momento bastando para isso colocar o cursor do rato em cima dos mesmos.
Com a publicação de mais e mais textos, vai-me ser difícil saber quantos blogues já estão a participar nesta iniciativa, pois é missão impossível visitar várias vezes ao dia todos os blogues , pelo que peço que me digam que já o publicaram, para eu colocar partes dos vossos textos na rubrica “DESTAQUE” e permitir aos nossos visitantes que os leiam.
Vai ser impossível também eu participar com comentários em todos os blogues, mas conto com a preciosa ajuda de amigos para o fazerem em nome do “Sidadania”.
Desmistificar a SIDA, preveni-la e preparar pessoas para a compreenderem e apoiar aqueles que tiveram o azar de se infectar, é dever de todos nós. Sendo a SIDA a minha causa para a vida, cumpre-me agradecer a todos os que estão connosco nesta luta , colaborando e participando nesta iniciativa.
Um Abraço do Raul
Convide Blogues seus amigos a escrever um texto sobre "A SIDA"
Todos não somos demais, para alertar e desmistificar a doença
Trás um Amigo também....

Tempo de Mudança

Chega de estar parado, e preocupado em como será o amanhã com a descoberta de duas novas patologias uma no fígado e outra no coração. Tenho de lhes dar uso e torná-las produtivas, seguindo as tendências da nossa economia em que tudo tem de fazer parte do tecido empresarial português. Não sei o que fazer com o fígado, já pensei em vendê-lo como iscas à portuguesa e dedicar-me à gastronomia, mas acho que as de um fígado cirrótico não devem ter grande sabor, e é um empreendimento sem futuro à nascença.

Quanto ao coração, e se puser a parte cientifica de lado, que o considera apenas uma bomba essencial à vida e considerar o tradicional ao qual os sentimentos, o calor humano e o amor estão associados acho que lhe posso dar uso.
O Blog está a mudar e o próximo tema que está anunciado no banner é sobre os primeiros tempos de infecção pelo HIV, e a quem o novo "POSITIVO" deve dizer.
Ninguém está preparado para receber a noticia. Estarão os familiares e amigos, (nesta altura em que o novo infectado necessita de muito apoio) preparados para o ajudar? Até que ponto irá haver rejeição, por ignorância ou medos infundados?
Enquanto o tema estiver a ser preparado "CONVIDAMOS" os nossos leitores que têm blogs a escrever textos nos seus blogs sobre o mesmo. A "OPINIÃO" de não infectados ou "anónimos" (acredita que no universo da blogsfera não haja infectados, que mesmo virtualmente escondem a sua seropositividade?), é importante.
Mas como vou escrever sobre algo que não conheço?, perguntarão alguns dos nossos leitores. Querem dicas ???
-Fiz o teste deu positivo, e agora?
-O meu companheiro, irmão, filho... pai etc está infectado, como vou reagir.
-A SIDA será o fim ou o inicio de uma nova vida?
-O que sei sobre a doença?
-O que é o VIH para mim?
-O que sei sobre tratamentos?
-O tempo de vida de um infectado?
Puxe pela imaginação. A Sida pode acontecer a qualquer um. Escreva sobre o que souber ou não souber sobre a SIDA. É importante escrevermos sobre a doença e estarmos preparados para a enfrentar um dia se ela nos bater á porta.
É importante sabermos, aquilo que não sabemos sobre a SIDA, para podermos aprender

Fica o convite e simultâneo desafio a todos os blogs que nos lêm a participar, e convidem os vossos blogs amigos desafiando-os a fazer o mesmo.

Em breve o SIDADANIA, iniciará o grande "DEBATE", esperamos a vossa colaboração no apoio ao mesmo, pois é importante "ESTARMOS PREPARADOS"

Um AbraçoRaul

Feliz anHIVersário

Bom... não é que tu mereças. Tens andado muito preguiçoso, em escrever uns textos para o Blog, e não venhas com a desculpa de falta de tempo, devido ao teu trabalho blá...blá... , pois tens escrito uns comentários que quase davam bons posts. Não é por mim... é que há muitos leitores, a pedirem para escreveres :) .
Um abraço bem forte, sem preservatHIVo, para ver se te infecto de uma vez por todas com uma causa para a VIHda.
Teu amigo
Raul

O HIV e a Familia

Quando alguém na nossa familia,é infectado pelo HIV, normalmente as pessoas não estão preparadas, e não sabem como lidar com a infecção desse ente querido. Mais um video que pode fazer as pessoas pensar um pouco e compreender a dimensão da infecção.
É uma pena não encontrar videos em Português ou legendados sobre este assunto. É uma pena que se gaste tanto dinheiro em projectos, alguns deles autênticos assaltos aos bolsos dos contribuintes pela sua inutilidade, e não se invista em videos educativos sobre a pandemia e como lidar com ela.
Os meus agradecimentos às pessoas que comentaram e manifestaram o seu carinho comigo no post anterior e eu voltarei por elas e porque acredito que há muito trabalho a fazer na dismistificação da doença. De momento continuo a viver o meu luto e a aprender a viver com a nova situação clinica, mas certamente não demorará muito até que tenha capacidade para enterrar as dores e as preocupações e continuar a minha caminhada.
Até quando calhar amigos…
Raul

Testemunho de Cory Norlund

É pena que este testemunho de um infectado em lingua inglesa não esteja legendado em português, mas devido à sua importância para que se compreenda a vida de um infectado decidi trazê-lo ao blog. Demasiado longo dirão aqueles, que apressadamente passam pelo blog, tipo assinar o livro de ponto sem se preocuparem demasiadamente com a realidade do que é viver com o HIV.
Por motivos de saúde, e porque últimamente ando demasiado sensivel a tudo o que leio e me dizem, decidi ficar por uns tempos afastado do blog, sem entretanto deixar de publicar textos que nos sejam enviados, e esporádicamente colocar um ou outro artigo de interesse sobre o HIV.
Irei hibernar durante uns tempos, até me sentir bem. Procurarei durante este tempo conhecer-me melhor, para melhor poder entender os outros.
Um abraço e até quando calhar....
Raul