Trilhos da VIHda

Céu ou inferno. São estados de espírito da vivência diária que perante as decisões que tomarmos, definimos onde começa cada um deles.

Estamos no céu quando a doença não nos aflige, temos o essencial, o acessório na vida e os vícios e os prazeres da carne são os indicadores do bem-estar e da felicidade. Inconscientemente acreditamos nessa continuidade como se tivéssemos um escudo invisível que nos dá a certeza de um lugar cativo neste estado de espírito que elegemos no nosso dia a dia. Não pensamos em mais nada do que no nosso umbigo e, obcecados por esta vivência, nem sequer temos tempo para olhar ao nosso redor e ver a realidade da vida.




Passamos ao inferno quando algo inesperado acontece e que de alguma forma vai afectar o estilo de vida anterior. Podemos perder o emprego, ter um acidente ou revelar-se uma doença inesperada. Nesta condição criamos um novo conceito que constituirá a nossa definição de inferno.
Mas será que as definições retratadas têm de ser rígidas e não podemos transformar o inferno em céu e vice-versa mediante as acções e decisões que tomarmos quando nos encontramos em cada um deles?
Imagine o leitor que num teste de rotina médica recebe a notícia que está infectado pelo HIV. Definitivamente todos classificarão esta notícia como o inicio do “Inferno”.
Onde encontrar o “Céu” nesta condição de dor e sofrimento? Leva algum tempo mas é possível. Primeiro tem de viver o seu luto convivendo e entregando-se à sua dor totalmente, mas após algum tempo, há que reagir e lutar.
Aprende-se que a infecção tem tratamento o qual lhe poderá dar uma qualidade de vida semelhante à que tinha antes. Aprende-se a partilhar e a lutar para que outros não cometam erros semelhantes. Aprende-se a amar o próximo e a compreender todos os que nos rodeiam. Aprende-se que a Sida é o princípio de uma nova vida e não o fim da vida.
Cresce-se como ser humano, desenvolvem-se valores para os quais não havia tempo. Acabará por ser olhado com respeito e admiração e a vida começa a fazer sentido.


O “Céu” pode estar em qualquer lugar e em qualquer condição.
A SIDA abre as mentes e pode tornar os infectados em melhores seres humanos dependendo da sua atitude perante a doença. A capacidade de criar o seu Céu ou Inferno encontra-se no interior de cada um.




10 comentários:

Nela disse...

Raul, posso publicar este etxto espectacular no meu blog?
Mnatendo a autoria, obviamente.
Bjs

Alexa disse...

Raul
Este texto está maravilhoso.e acaba com uma frase magnifica "A capacidade de criar o céu ou o inferno encontra-se no interior de cada um."
As fotografias estão uma obra de arte.
Bem-Hajas

Eme disse...

Sir Rudoixis, ficai sabendo que o que escreveu também se aplica aos não-infectados. A gente também aprende muito. Com os erros dos outros, com os exemplos e até a dar menos importância ao superfluo para valorizar o que não é visível mas que nos preenche. E também se aprende que dos trilhos de qualquer vida nos cruzamos com amizades que nos tocam, se bem que algumas se possam tornar infernais, temos as paradisíacas para equilibrar. Mas sabes, se o objectivo da vida fosse realmente a felicidade, era tudo fácil demais. Bastava os deuses atirarem em doses constantes umas poções indutoras de felicidade, nas reservas de água mundiais. Quando as coisas começassem a correr mal, ninguém se ia importar pois a poção manteria toda a gente a sorrir indefinidamente. E ninguém iria aprender a buscar sózinho o seu céu.

beijo a ti e a um sidadania cada vez mais belo.

Biby disse...

Olá Raul! Estou totalmente de acordo com o que escreves. Por vezes no meio da adversidade as pessoas conseguem ver algo de positivo e a isso se chama resiliência.
Tu és um exemplo disso!
Beijinhos
BIBY

Unknown disse...

Caro Raul,
gostaria que este post, fosse lido pelos muitos milhares de pessoas nesta condição.
Creio que os ajudaria a encontrar o céu!
A vida é muito mais do que os erros que cometemos e é errando que aprendemos, e que por vezes encontramos o nosso verdadeiro eu.

Embora felizmente não tenha nenhum caso de sida próximo de mim, tento sempre entender os outros e perceber com a minha sensibilidade e condição de Ser humano imperfeito, as suas angustias e receios, qualquer que seja a enfermidade.

Gostaria de lhe deixar aqui um poema de minha autoria, dedicado a todos os seropositivos, que não é de forma alguma uma critica, mas sim aquilo que penso que muitos sentem e sofrem quando são marginalizados por quem na sua ignorancia os afasta.


DEVANEIOS


Não, não me olhes com o descaso e censura
Que já não consegues omitir,
Deixa-me permanecer assim em clausura
Na certeza de não me iludir!

Eu sei, que as loucuras onde me deleitei
São agora marcos irreversíveis em minha vida,
Que cada passo errado que dei
Me levou a este estado decrépito de sida!

Eu sei, que não soube sorver o meu tempo,
Que a luz de outrora é agora o tormento
Da insensatez a que me fui permitindo...

Mas deixa-me perecer aqui, em paz enfim
Com o desprezo que já não doí nem pesa em mim,
Tão longe de ti... E tão perto do fim que já sinto!


Ana Martins
Escrito a 22 de Janeiro de 2009

Um beijinho terno e a minha admiração,
Ana Martins

~*Rebeca*~ disse...

Adorei!

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul

Na vida tudo são momentos. Há os momentos de loucura e de desvario que justificam pelo sentido os momentos de tédio e de vazio.
Há os momentos de olhar à nossa volta e os momentos que reservamos para a nossa intensidade.
Porque o céu e o inferno nunca estiveram separados. Estiveram sempre dentro de nós para que bebessemos deles as poções que entendessemos.
Todos devemos entender a vida (ou a vihda) como essa transitoriedade que não admite desperdícios nem situações absolutas que degeneram em roturas insustentáteis.
Dito por outras palavras, deveremos, em meu entender, ter a nossa dose de egoismo assente nos prazeres das coisas e da nossa individualidade mas sem esquecer as consequências que os nossos actos poderão ter sobre os outros.
Esta seria a forma sábia de dosear as poções do céu e do inferno. Porém nós não somos deuses e muito menos perfeitos mas isso não deverá impedir-nos de sermos felizes armazenando sentimentos de culpa.
Não importa o tempo cronológico que nos está destinado mas sim o tempo psicológico que dará outra dimensão e sentido ao tempo.
Mesmo que o nosso timing seja de 24 horas neste momento ainda é tempo de ver a Primavera, de semear flores e nos sentirmos vivos.E isto com a dose de desprendimento e de proximidade que fazem do céu e o inferno o nosso mundo vivo (vihvo) e absoluto.


Abraço

Branca disse...

Raul,

Gostei imenso deste texto, aprende-se como sempre.
No fundo estes são os passos de qualquer luto na vida, de tantas outras notícias de doenças crónicas. Depois do primeiro impacto, há que reagir e sempre essas experiências nos fazem crescer. Tal como dizes, "o céu ou o inferno está no interior de cada um de nós."
Beijinhos.
Branca

Isabel Filipe disse...

Olá Raul ...

Fantástico o teu texto ...

sem dúvida que o que sofremos nos ajuda a transformarmo-nos em seres melhores ... em pessoas .. em gente ...
não tenho qualquer dúvida disso ...

por isso ... tu és esse ser tão especial ... com esse coração enorme ...

muito tenho aprendido contigo ...

beijinhos

Fatyly disse...

Subscrevo as palavras da M. porque este texto também se aplica aos não infectados e aqui todos aprendemos.

Aplaudo-te de pé e tiro o meu chapéu!

Beijos