No lugar do(s) Outro(s)




A notícia. O impacto. O choque. O sofrimento. Sentimentos comuns não apenas ao que se descobre portador de uma doença grave com consequências na sua vida, mas também aos que o rodeiam, desde o conjugue, parceiro, pais, irmãos até à restante família, sendo que o impacto é diferente consoante o grau de proximidade para com o doente.

Não há dúvida que apenas quem passa pela experiência de se saber gravemente doente sabe o turbilhão de sentidos que o habitam. Mas não há igualmente dúvida que apenas quem acompanha de perto o seu companheiro, filho ou irmão quando este se encontra doente, sabe da dor que o angustia naqueles instantes, uma dor que não encontra alívio em nenhum analgésico, por não ser física mas que deixa igualmente sequelas ou um trauma para o resto da vida. A sensação de impotência para mudar a situação é trágica para o ser humano que nunca está realmente preparado para uma notícia abrupta em que o primeiro pensamento que ocorre é a morte. Torna-se um escravo de um terror de algo desconhecido que ainda não absorveu lucidamente. No caso da Sida, ocorre ao pensamento a hipótese de infecção, da conjugue ou companheira/o, dependendo do tempo que tenha ocorrido, mil e uma questões para as quais não se encontram respostas no ambiente inicial de descarga de uma notícia brutal: “tenho sida”.
São sentimentos impossíveis de descrever, que passam de modo diferente em cada um. São mundos que desabam, portas que se fecham, raivas que se soltam. A SIDA é em todos os aspectos uma doença que marca os familiares das pessoas infectadas.
Uns aceitam, outros rejeitam e ainda há os que dizem aceitar mas que de uma maneira ou de outra fazem a cobrança e passam a vida a apontar o dedo, como se de um crime se tratasse, com pena perpétua.

Com os conhecimentos e os progressos de hoje, desmistificados os receios e dissipado o fantasma da morte, a vida pode retomar a normalidade desde que exista a tolerância e o perdão. As cicatrizes ficam, as histórias têm desfechos diferentes, nem sempre felizes.


Joana (nome fictício) foi rejeitada pelos pais, pessoas de posses financeiras que a expulsaram de casa. O seu passado de tóxico-dependência pesou na decisão e voltou às ruas sem qualquer apoio dos familiares. Recusou os tratamentos e desistiu de viver. No dia da sua morte a família apareceu como se pudesse remediar algo.


Maria viu o seu filho ficar infectado, dedicou-se a ele de corpo e alma mas a doença associada ao consumo de droga levou-o à morte. Conserva o quarto do filho e todos os pertences como que a perpetuar a sua vida. Encontro-a frequentemente junto ao gavetão onde estão os seus restos mortais, vestida de negro como se ele tivesse morrido ontem.

A SIDA pode ser mais cruel, para os que a sentem nos seus entes queridos do que no próprio infectado.


11 comentários:

Unknown disse...

Caro Raul,
a descoberta de que se é portador de HIV é o desmoronar de todos os sonhos e planos de uma vida.
Ter para além disso uma família que mesmo após o primeiro impacto se mostra intolerante e sempre pronta a condenar, é o veredicto final.
Estes dois casos que aqui relata, infelizmente têm o mesmo desfecho, mas no primeiro, os pais vivem de certeza com a consciência pesada por não terem dado todo o apoio que deviam à filha. Ajudar, mimar e apoiar é em vida, depois de mortos já ninguém precisa de mimos nem de flores.
Quanto ao segundo resta àquela MÃE o consolo de ter feito tudo o que estava ao seu alcance.

Penso que lidará muito melhor com a morte do filho que os primeiros, pois nada tem a pesar-lhe a consciência.

Beijinhos,
Ana Martins

Natalie Dowsley disse...

Olá, Raul!
Obrigada pela visita ao blog e pelo belíssimo comentário sobre a água. Certamente nosso mundo será mais belo quando aprendermos a enchê-lo de amor! =)
Fiquei feliz com seu blog e a sua proposta. Feliz por saber que, apesar das dificuldades, existem pessoas tão solidárias que enxergam além de suas dores, compartilhando suas vidas com outros, informando, divulgando, ou até mesmo tornando menos dolorida e solitária a descoberta da doença e do convívio com ela.
Visitarei sempre.
Um abraço caloroso.

Biby disse...

OLá Raul!
É muito frequente os pais sentirem-se culpados pela infecção dos filhos, sentem culpa por não os terem sabido proteger/prevenir da doença. Outros culpam os filhos pela sua doença e abandonam-nos á sua sorte.
Alguns autores acreditam que os familiares do infectado passam pelas mesmas etapas que o proprio doente quando se confrontam com a doença.
O apoio deve vir em vida...depois da morte de nada serve levar flores ou ir ao funeral, nessa altura a familia já não faz falta.

sideny disse...

Raul

Nao consigo entender como os pais

metem os filhos na rua, seja por doença ou drogas.

quando deviam ser os primeiros a apoiar e a ajudar.

tenho uma mâe 7 estrelas

dar amor , carinho e apoio enquato precisamos e estamos vivos , depois de mortos nao precisamos de nada , nem campas 10 estrelas , nem de flores, essas da-se quando estao vivos para poder apreciar.

quando fazem isso chamo-lhes remorsos de nao os terem ajudados
enquando eram vivos.
beijocas

São disse...

A descoberta de uma doença ( qualquer uma dessas que se sabe trazerem sofrimento irreversível)é uma faca enfiada à traição no corpo e na alma de quem a sofre.

Nas pessoas próximas, acrescenta-se a frustração da impotência.


Um abraço!

Carla disse...

adorei descobrir o teu espaço...um local onde as coisas são pensadas e debatidas. Não consigo imaginar o suplício que é para quem tem a doenças, mas também para quem tem de ver sofrer o ente querido sem nada poder fazer
beijos e parabéns pelo blog

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
Tenho passado por aqui com reservas em comentar este texto porque a análise não pode ser assim tão simplista. O lugar dos outros não pode ser colocarmo-nos pura e simplesmente no lugar de quem tem HIV ou é toxicodependente. Estes dois grupos de pessoas também têm que se colocar no lugar dos outros daqueles que por eles foram traídos e... etc, e que se viram defraudados por decisões de vida que não eram as suas. É que quem toma a decisão de viver a vida à sua maneira afrontando os outros não deveria, em circunstância alguma "obrigar" os outros a assumirem as consequências dos seus actos. Vou citar dois casos: o da minha mulher-a-dias e o do meu construtor.
A minha mulher-a-dias tem quatro filhos sendo dois deles drogados. Nos dias de recebimento é vê-los à volta dela a pedirem comida, a pedirem dinheiro.O marido não concorda que ela dê mas ela dá sempre. Arranja trabalho sem o marido saber ela que não pode por estar doente. Dou-lhe dinheiro para ir ao médico mas os filhos aparecem na consulta e levam-lhe o dinheiro. E nunca têm uma atenção para com ela a não ser para pedirem. Nunca lhe dão nada pelos anos por mais insignificante que seja.

O meu construtor tem dois filhos sendo um toxicodependente. Ele tem uma quinta e deu dinheiro para o filho lhe comprar gado. O filho gastou o dinheiro na droga e roubou o gado que pôs na quinta do pai. O pai foi preso para o filho não ir. Paga casa ao filho, dá-lhe um trabalho remunerado mesmo quando o filho não aparece. O pai anda doente e trabalha, trabalha, anda mal vestido (mesmo mal) e o filho, por vezes, ainda o trata com duas pedras na mão.
É este lado dos outros que também tem que ser visto.
Quanto a ir ao funeral isso é irrelevante. A ajuda deve ser feita em vida, naturalmente.

Abraço

Maria Dias disse...

Oi Raul...

É verdade q cada um tem uma atitude
e toma uma posição.Mas acredito q a pessoa q está infectada sente-se só mesmo que rodeado de carinho e dalí por diante caminhará só.Se tem uma família com uma boa cabeça isso deve ajudar a levar com menos peso o problema.Mas tem a culpa,tem o "Se" tem tantas coisas...Ah difícil deve ser para uma mae diante de um diagnóstco deste para seu filho...Nós mães que sonhamos sempre como melhor...
O ser humano é mesmo um universo a parte estes teus dois exemplos mostra bem isso.Uns têm a facilidade de cortar os laços outros nunca cortarão.

Beijinhos

Maria

Eme disse...

Um bom post Raul, abordar os sentires dos outros é complexo como bem o revelas, visto que ninguém reage do mesmo modo e abordas a possibilidade de permanecer um trauma para toda a vida. Acho que não te colocaste no lugar dos outros porque isso é impossível e todos o sabemos. Apenas trouxeste a questão ao nosso pensar. Não há lugar a julgamentos ou quem tem razões. Há apenas o cerne da questão: os outros também sofrem. Quanta verdade.

Beijo

lupuscanissignatus disse...

nós

e

os

outros


[entre nós]

Zé Ninguém disse...

Olá Raúl,

É a primeira vez que passo por aqui e queria deixar a minha experiencia:
No meu caso pessoal, prefiro justamente, enquanto me for possível, nao tornar a minha família partícipe no meu diagnóstico. A meu ver, a sensaçao de impotencia e frustraçao por nao poderem fazer nada a respeito seria demasiado desgastante, para além de desnecessária.
Sei que isso acarreta uma sobrecarga para mim, mas já que me tocou viver esta situaçao, prefiro fazê-lo sózinho, apenas com o apoio de um par de amigos mais chegados e da pessoa com quem comparto a minha vida.
Aproveito para convidar a quem por aqui passar a visitar o meu blog pessoal e a deixar a sua opiniao.

http://avihdadeumzaninguem.blogspot.com/