Um (dos) caso(s) da vihda - correio dos leitores


Olá Raul

Li o teu último e magnifico texto do sidadania. (...)
Não te conheço pessoalmente, mas já te descrevi e imaginei no meu interior...
(...)Admiro muito o teu trabalho e embora eu não esteja (à partida) infectada, e que o meu marido nunca te tenha vindo consultar directamente devido ao seu orgulho ferido, tens ajudado muito a ambos.
Se não fosses tu e toda a informação que pões à disposição de quem a queira receber, talvez hoje nós não estivéssemos juntos, porque eu simplesmente não estava preparada para lidar com isto.
Hoje, encaro as coisas numa outra perspectiva...
(...)
Queria contar-te uma situação, que podes colocar no teu blog se achares bem.



No hospital de (…) onde trabalhamos, no nosso serviço, encontra-se um seropositivo de etnia cigana com um LDH muito elevado e suspeitam de uma neoplasia, encontrando-se em fase de estudo. Tem também uma neutropenia acentuadíssima e os linfócitos mesmo muito baixos. Foi colocado em isolamento para sua própria protecção.
Trata-se de um indivíduo que nunca cumpriu terapêutica, faltava às consultas e por incrível que pareça, andava nisto há 9 anos.
Supostamente, devíamos entrar no quarto do homem com uma máscara para evitar transmitir-lhe microrganismos. E o que foi que a equipa fez? Pediu loiça descartável, entram no quarto como se fosse num laboratório de química nuclear, com viseiras, batas, luvas, enfim...
Ninguém quer colocar o soro no homem, como medo de tocar no sangue...Os próprios médicos não entram no quarto dele, de tal forma que ao fim de 15 dias de internamento, fui a única pessoa que descobriu droga e tabaco na sua gaveta e que não tomava os retrovirais nem a outra medicação, deitando-a pela sanita...
Isto só acontece porque as pessoas são ignorantes e não só. Acho mesmo que são mesquinhas, recriminam logo os outros, é verdade que há pessoas e pessoas e este homem é muito promíscuo e não se cuida…
Mas se fosse eu por exemplo, iriam tratar-me da mesma forma como se eu tivesse o vírus ébola ou algo do género?
Se eu pouco sabia de HIV agora vejo aquela gente - sim porque para mim a equipa médica e enfermagem são "aquela gente"- não sabem mesmo nada: pedir loiça descartável e separar a roupa de cama da dos outros doentes é ridículo!
Os auxiliares nem sequer entram para deixar roupa limpa ao homem. A copeira, se ele não pede, não entra lá para deixar comida...
Depois disto, qual é o seropositivo que tem vontade de contar a sua situação? Óbvio que ninguém!!!
Cada vez me sinto mais frustrada por trabalhar em hospitais portugueses...
Se pudesse voltar atrás teria sido veterinária. Os meus cães não tratam mal o meu marido por ele ser HIV positivo.

Um beijo para ti.



Que podemos pensar quando as equipas hospitalares procedem deste modo?
Continua a xenofobia, o nojo, o medo, o desprezo pelos excluídos de uma sociedade injusta e a ignorância?
É compreensível que haja quem prefira o anonimato quando se verifica que o ser humano é tão imprevisível no seu comportamento.
Felizmente que existem excepções. Mas este caso choca-me profundamente por ser perpetrado num ser que já pensa que a vida nada mais tem para lhe dar.




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Nota de última hora: acabei de receber a notícia da morte deste homem cigano no quarto onde o isolaram. Por razões óbvias não revelo o nome do Hospital, adiantando apenas que se trata de um distrito no Alentejo e que a nossa fonte revela que o infecciologista só o visitou uma vez, não pedindo sequer exames para cargas virais ou contagem de cd4, receitando-lhe um retroviral à toa que nunca chegou a tomar.

As conclusões deste caso ficam ao critério de cada um. Infelizmente resumem-se apenas num facto: nada foi feito para prolongar a vida deste homem.

16 comentários:

Maria Dias disse...

Não entendo isso...Para mim pessoas com soropositivo tinham médicos especialistas e lugares adequados.Pq internaram o homem?Talvez se estivesse em casa estaria melhor não?Já ouvi falar q soros positivos têm até Dentista e outros especialistas.

Abraços a todos do Sidadania...

Eme disse...

É chocante por se tratar da classe médica que mais do que ninguém recebe informação sobre o assunto e age desta maneira. Parece-me mais um caso de xenofobia do que outra coisa. A administração do hospital devia ser alertada para a discriminação de que este doente é alvo,por ser cigano ou seropositivo. Se se encontra internado por suspeita de neoplasia não há razão para a atitude do pessoal responsável e estes devem ser denunciados e colocados a receber uma formação sobre a transmissão do virus para eliminarem esses macacos da cabeça. Por amor de deus, alguém que esteja lá dentro arranje coragem e fale ou ainda deixam o homem morrer à fome por medo!!!!
Não custa tentar e ninguém vai preso por dizer "Sr director, passa-se esta situação na zona do isolamento e penso haver ali um medo excessivo que impede o doente de receber o tratamento adequado.."

meu cantinho disse...

Eu sinceramante,também não precevo muito bem as doencas que fala,mas se intermaram o senhor seria mais logico fazer o tratamento adequado não??
Pessoas que trabalham nos hospitais são pessoas que tem alguma formação,por isso não tem razão de não quer entrar no quarto ate mesmo não aplicar o que divia ser feito.Se ele se refugia nele propria não seria o mais adquado ter tratamento psiquiatrico penso que nestas situações a muitas pessoas que não tem noção do que tem acho.

beijinhos sinceros

e obg pela partilha

Alexa disse...

È chocante demais saber que em hospitais portugueses, um país europeu com médicos que têm aceso a toda a informação.Se passe uma barbariedade destas ´xenofobia porque ele é cigano.
e pobre.Porque se ele fosse filho de algum ilustre engenheiro o caso não seria tratado desta maneira ,por isso se não há uma denúncia directa ao hospital . Por favor não lhe tirem nem a droga nem os cigarros. Eu pelo menos não queria que mos tirassem queria morrer depressa e com o menos sofrimento possivel e é claro que também não tomava retrovirais nenhuns.
Para quê prolongar o sofrimento?
Por favor alguém denuncie este hospital
beijos tristes

Alexa disse...

Raul
a fotografia está demais linda adequada ao texto

sideny disse...

Raul

NÂo ha ninguém que faça queixa disso tudo?

Uma nâo , mas varias até.

Teria muito para dizer mas acho que nunca mais me calava.

Estamos no sec 21 nem parece.

beijocas

Biby disse...

Olá Raul!
Por estranho que pareça alguns profissionais de saude ainda não lidam bem com o VIH por falta de formação adequada.
E depois existem os exemplos como eu que tem formação especifica na área do VIH mas ninguem dá uma oportunidade de trabalho porque neste país as vagas no sector publico são preenchidas tendo em conta critérios duvidosos.
Perdem os utentes... e depois surgem histórias como esta e piores.
Felizmente que nem todos os hospitais...

Isabel Filipe disse...

Querido Raul ...

estou chocada (?) será que estou mesmo? infelizmente não ... é o que sabemos que infelizmente acontece no nosso país ...

mas revolta-me ... revoltame profundamente ...

que precisamente onde se devia saber TUDO sobre o assunto (nos serviços de saúde) se cometam estas barbaridades ...

é horrível ...
é nojento ...
dá vontade de sair por aí com uma espingarda na mão ...

beijinhos Raul


p.s.: desculpa a minha ausência ... mas ando um pouco afastada dos blogues ... mas sabes que contas comigo ... tens os meus contactos para sempre que precisares ....

Alexa disse...

Concordo plenamente com a a Isabel F . Apetece-me entrar com uma espingarda na mão e resolver o caso à minha maneira.
Isto aconteceu porque era pobre era cigano e se calhar até era analfabeto
nunca a conteceria a nenhum filho de engenheiro.Aonde é que estão as igualdades de oportunidades !

beijinhos raul

Fatyly disse...

Embora o Senhor já tenha morrido, subscrevo na integra as palavras da M.

Não vejo um caso xenófobo,vejo um caso pura ignorância e nesse leque havendo alguém que via o que não deveria ter ocorrido e não denuncia? Compreendo o medo...mas nestes casos aceito uma carta anónima para a PJ, Ministério da Saúde. OU como diz a M contar ao superior que algo não estava bem...

Eu que já vi coisas que não gostei e sem ser doente, familiar, auxiliar ou médica, entrei pelo gabinete do director e trásssss!!!

Caramba, tanto pecador é o que pratica como o que vê e se cala...!

Para ele acabou o sofrimento, mas
mesmo assim deveria ser denunciado para não se repita e há imensas formas de o fazer...e em meios pequenos a "dica" ganha pernas e corre léguas!!!

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
Venho desejar-te um bom 25 de Abril entendendo como tal os valores da liberdade e da justiça social.
Relativamente ao texto e para além do que já manifestei sobre a situação queria dizer-te que há muita dor e revolta para serem saradas. Porque todos nós estamos a ser discriminados nesta sociedade cruel em que as referências se vão perdendo como valores inúteis.
Uns são discriminados pela etnia, outros pela patologia e outros, pasme-se, por terem conseguido escapar a estas discriminações. Não sei de entre as diferentes dores qual é a mais crua e a mais solitária.
Abraço

Anónimo disse...

O que é isto? Isto? É xenofobia e Racismo... No seu estado mais puro.

Se fosse um cidadão, infectado, de outra etnia, caucasiano, seria tratado de certeza de uma forma completamente diferente. Se ele era violento, não se sabe e o texto não diz, mas se o era, utilizaria-se a cautela necessária, para assistir um doente. Is to que lhe fizeram, foi a mais dura violência que se pode fazer ao ser humano, desprezaram-no.

Abraços revolucionários do Beezz

Dr. Mento disse...

Fiquei sem palavras. Especialmente, quando li o desfecho da história.

Dr. Mento disse...

Fiquei sem palavras. Especialmente, quando li o desfecho da história.

Paula Raposo disse...

Eu fico mais que estupefacta e sem palavras...

Maria Pires disse...

Raul, amigo não te conheço mas acedi ao teu blog porque vi um comentário teu no blog da Flavia vivendo em coma,E logo fiquei intereçada no teu caso e procurei e encontrei.Raul és uma pessoa espetacular vesse que és bem formado de alma e coração.Que Deus te de força e coragem para enfrentares a vida tal qual ela é.Beijo desta tua amiga ainda que virtual.