Dói-me o Peito




Dr.
dói-me o peito
do cigarro
do bagaço
do catarro
do cansaço
dói-me o peito
do caminho
de ida e volta
do meu quarto
(…)
sem parar
sempre a andar
(…)
dói-me a esperança
dói-me a espera
(…)
- José Fanha -

A mim também me dói tudo neste País de luto. Dói-me o sofrimento em que mergulham os que não têm os mínimos para sobrevier. Dói-me saber que, nos cuidados de saúde, Portugal foi remetido para a cauda da Europa. Dói-me esta dor que não sossega quando constato um País infeliz em que 30 por cento da população toma anti-depressivos.

Dói-me constatar, como um soco que se recebe sem culpa, que em Portugal se passou dos 7,8 por cento para 12 por cento de população toxicodependente. E isto num curto espaço entre 2001 e 2007 segundo dados recém-divulgados pelo presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT).

Dói-me saber que entre a população de toxicodependentes os infectados pelo HIV não têm parado de aumentar.

Dói-me saber que em toda a Europa existem mais de 500 mil pessoas em situação de escravatura sexual. Dói-me saber que Portugal é uma porta de entrada para essa escravatura que vive num submundo, tacitamente aceite, e que torna essa população particularmente vulnerável à infecção pelo HIV.

Dói-me saber que “o poder” não quer saber que sejam maus os cuidados de saúde, que aumentem os toxicodependentes, a escravatura sexual e os casos do HIV. Afinal o que vale esta população desvalida perante os grandes grupos económicos envolvidos no caso BPN? Esses sim que é preciso serem salvos. Muito mais importante é o Tratado de Lisboa e a ratificação por parte da Irlanda que pessoas que continuam a ser segregadas, mal alimentadas e estão sozinhas.

Que penas cumprem os traficantes se é que as cumprem? Que servem as apreensões de droga neste contexto tão alarmante?

Que vale sonhar com os direitos humanos se estes são violados a cada minuto que passa, aqui mesmo ao lado e insistentemente?

Quanta pressão recai sobre a pessoa comum que se refugia no fruto proibido, na anestesia e no prazer sem retorno?

E nós não fazemos nada?

Dói-me que nada se faça e se durma tranquilo.

23 comentários:

Pata Negra disse...

Silêncio
Cá estou eu a responder à chamada. Cá estás tu com os pés na terra a acordar a camarata desarrumada em que dormimos. Já tive oportunidade, várias vezes, de ouvir da boca do Senhor José Fanha, este grito que tão bem se ouve. Pena que o tivesses publicado, quem sabe não seria a sua transcrição o meu comentário?!
Um abraço com a esperança em convalescência

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

Este é o grito de todos os que não se acomodam aos caminhos fáceis sob o pretexto de que "enquanto eu me for safando os outros que se lixem". Este é o grito que transmitimos de uns para os outros no universo das pessoas em que acreditamos.

Este é o grito de quem sente que o outro faz parte da mesma massa de que somos feitos e que, quanto mais injustiçado, mais precisa do nosso apoio para ouvir a sua voz.
Este é o grito de quem sente e não se conforma nem abdica da sua faculdade de poder gritar.

Abraço

R.Almeida disse...

Tolhidos pela dor não reagimos, nada fazemos. Enquanto o cisco está no olho do vizinho ele que se amanhe.Sabemos do mal mas estamos ao lado em porto seguro aparentemente por enquanto.
Só mesmo quando somos abanados e a tragédia passa a dizer-nos respeito é que gritamos, mas talvez por falta de hábito este grito não sai e não é ouvido.
Doi a alguns que tentam consciencializar-se dos problemas, mas estamos em estado letárgico desanimados pela corrente que domina e nos controla a todos.
Tá tudo mal dizemos mas limitamo-nos ao deixa andar.
Somos um povo dificil de explicar movidos a chibata para funcionarmos eficazmente.
Afinal para que queremos a liberdade e a democracia,se não resolvem os nossos problemas.
Grita amiga, eu também o faço de vez em quando. Eu oiço o teu grito mas a única coisa em que posso ser útil é gritar em unissono contigo.
Doi-me o peito e mais profundamente a alma. De que será?
Do tabaco, do bagaço, do catarro ,do cansaço ou de tudo um pouco afinal. Estou em Portugal.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
Que o nosso grito construa. Que o nosso grito seja um abrigo para quem precisa. Que o nosso grito intervenha junto de quem pode. Que o nosso grito abane quem está adormecido.

Não apenas pelos 32.000 infectados do HIV que existem em Portugal. Mas também por eles. Para que quando a cura chegar não seja só para uns. Para aqueles que a podem comprar.
Raul, Paulo, todos os que aqui vêm e são amigos, havemos de construir uma fortaleza e os nossos dias nunca serão de indiferença para quem sofre.

Abraço

Fatyly disse...

Um grito oportuno, talvez um dos mais tocantes e eficazes que li ultimamente.

"Dói-me que nada se faça" mas em vez de esperarmos que façam, porque não agimos nós em sede própria? porque não denunciamos o que de errado está? porque se "atura" sindicatos caducos e inficazes?
pois eu além de fazer o que posso e por vezes o que não posso...pico, barafusto, grito, faço andar os outros para que se unam e façam alguma coisa em prol deste descalabro - com respeito, educação e jamais com ovos e tomates.

Falar é tão fácil mas denunciar o quer que seja é muito mais difícil.

Um dia irei presa porque entupo os emails governamentais até à exaustão e sobre o BFN até o Presidente CS levou com alguns, inclusivé com um pedido, que fosse "por uns meses" o Obama (esperança) deste país onde tudo se permite aos criminosos e nada se dá a quem trabalha e é honesto e que é apanhado com uma malvada doença ou acidente.
Quanto ao BFN quero ver resultados e aguardo para ver.

Quanto à toxicodependência e falando com alguém muito entendido na matéria, só me disse que aumentou um pouco porque os 7,8% eram falseados.
Há desespero sim senhora
Há falta de esperança sim senhora
Há depressões sim senhora

mas também há muita falta de interesse por parte da sociedade civil e ainda hoje denunciei a falta de pontualidade de uma médica - 4 horas de atraso - porque esteve, não interessa, mas ficou registado no Livro de Reclamações e com email para o SNS.

Quais grupos económicos, quais carapuça, sempre houve e continuarão a haver ricos e muito ricos e eu que faço parte da raia miúda nego-me a ser
DEPRESSIVA
CALADA
CINZENTA
DESANIMADA
e tenho muito prazer em ser

REFILONA,
FALAR MUITO ALTO QUANDO ME SALTA A TAMPA,
MANDAR CALAR UM CLINICO SE FOR CASO DISSO,
EXIGIR UM BOM TRABALHO QUANDO PRETENDO ALGO,
RALHAR AOS TOXICODEPENDENTES QUE PROLIFERAM POR AQUI (andei com alguns ao colo) QUANDO SEI QUE NEGARAM UM TRABALHO,
QUANDO OS VEJO A INJECTAREM-SE,
QUANDO OIÇO QUE AGRIDEM OS PAIS,
TELEFONAR PARA AS AUTORIDADES QUANDO NECESSÁRIO,
NÃO ENTRAR NO HISTERISMO DE INAUGURAÇÕES PARA INGLÊS VER SEMPRE EMOLDURADOS POR FIGURAS PÚBLICAS,
DENUNCIAR LARES PARA IDOSOS DEPOIS DE CONSTATAREM QUE O QUE OUVIRAM É REAL,
DENUNCIAR E GRITAR NAS URGÊNCIAS PELO TEMPO DE ESPERA SEM MEDOS DE REPRESÁLIAS...

NÃO VER TELEJORNAIS

e dar a mão ou levando aos locais certos, alguém que vejo que está a cair nas mãos da depressão.

Mais não posso fazer e se todos fizessem um pouco em vez de esperarem que a "magia venha do ceú", a começar pelo nosso prédio, pela nossa rua...muita coisa mudaria.

Possa...vamos arregaçar as mangas porque estamos todos de tanga, mas se nascemos núos e se for preciso ficar de novo núos, ficamos mas lutando para vencermos um dia de cada vez e amanhã (se acordarmos) já teremos umas cuecas.

OHHHHHHHHHHH povo por favor sejam mais optimistas e não se auto-mediquem por favor!!!!

Um beijo desta refilona, refilona e mais que refilona...mas verdadeira e sincera!

DESCULPEM!

Fatyly disse...

Silêncio Culpado...aiii mulheri isto não é nada contra o teu texto magnífico, porque sei que fazes parte de uma equipe que ou vai ou racha, tal como eu que antes partir a loiça toda do que fazer vénias.
O Raul tadinho agora precisa de mimos e eu nada lhe disse...ohhhh baby vê lá ômiiiiii tu não me lixes a carola, não andes no nham, nham porque sei que vais ficar bom:)
Portugal é Por - tu - gal e no dia em que deixar de o ser que importa? olha passamos a ser POR - TODOS - (i)G(u)AL
Paulo...ohhhhh Paulinho e todos os comentadores que vêm aqui juntar-se à roda...sorriam e vamos todos remar na mesma direcção e deixai a barca dos ricos/gananciosos/fraudulentos/políticos meter água, porque quando se virem a afundar-se bem virão até à nossa barca de /esperança/acreditar/força/ sorriso pedir SOS e aí todos nós não lhes viramos as costas, puxamos para a nossa barca e serão eles a remar para aprenderem (porque cá se fazem cá se pagam) que o caminho não deveria ser aquele.

UM BOM FIM DE SEMANA PARA TODOS!

Odele Souza disse...

Lidia,

"Este é o grito de quem sente e não se conforma nem abdica da sua faculdade de poder gritar"

Grito contigo amiga, mesmo que a voz nos doa. Grito por mim, por Flavia, Por Raul, por Paulo...Grito por nós e por que não tem voz. E de tanto gritarmos um dia alguém haverá de nos ouvir.

E como diz Fatyly "...e se todos fizessem um pouco em vez de esperarem que a "magia venha do ceú" algo terá'que mudar.

Beijo pra vocês.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Fatyly
Oh Fatyly, não tens que pdir desculpa porque tu és magnífica na tua força, na tua frontalidade e na tua clareza. Só com pessoas como tu é possível desbravar o marasmo cultivado por um poder que se escuda na comunicação que o serve. Uma comunicação que intoxica, que selecciona as mensagens, que faz as leituras e os cortes convenientes a quem lhes paga.
Enquanto isso há quem peça socorro nas margens deste País. Pessoas que só são visitadas em alturas de Natal, de inaugurações ou quando a TV filma para promover certos protagonismos.
Fatyly, só com pessoas que se revoltem é que podemos construir. Sem a tua voz este espaço estaria muito mais pobre.
Força!
Quanto ao Paulo e ao Raul, é preciso não mimá-los de mais. O Raul então é só mimos. Ter dói-dói não tem só desvantagens.


Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Odele Souza

Gritemos pois amiga. Gritemos por Flávia, por Raúl, pelo Paulo, por ti e por todos aqueles que precisam do nosso grito para que o silêncio não os ensurdeça. Um silêncio construído pela indiferença dos que, tudo podendo, se escudam nas muralhas do seu bem estar com a ilusão de que as mesmas os protegem da solidão, das privações da doença e da morte.
Puro engano.
Gritemos por eles também, Odele, porque são tão pobres que se julgam ricos.


Beijos

Elvira Carvalho disse...

Tem razão Lídia o seu grito e o meu poema estão na mesma sintonia.
A mesma revolta, a mesma tristeza, o mesmo desalento.
Um abraço e bom fim de semana.

Um abraço ao Raul e o desejo de rápidas melhoras.

f@ disse...

Belo post... e como nos últimos dias até sonhar me dói... precisamente por me ter deparado que para o poder a Saúde não importa...
possivelmente entram nos hospitais de óculos escuros ou nem lá entram...
Só quem vai ao hospital todos os dias pode avaliar a carência de tudo...
As pessoas deviam parar de ficar tristes e começar a gritar ou a cantar à porta do governo... em vez de tomar anti depressivos...
Beijinhos das nuvens

Eme disse...

Eu também vinha dizer que me doia tudo, vinha dizer que às vezes no mundo real custa-me falar porque pensam que sou doida, vinha dizer que não sou nem nunca fui indiferente a estas coisas, vinha dizer que a aproximação do natal ainda me faz pensar mais e deixa-me revoltada, que quando tenho um prato cheio à minha frente e dizem "come mais M!" custa-me que algures um Irmão meu não tenha o mesmo.. Digo que grito com vocês que depois de vos ler aqui o grito é mais de esperança porque penso: há mais pessoas assim e isso por muito que nos pareça que nunca chegue faz toda a diferença. Sim nós fazemos a diferença perante meio mundo surdo, mudo e sobretudo cego porque não quer simplesmente ver que o sol é para todos.

beijos e abraços

SILÊNCIO CULPADO disse...

Elvira Carvalho
Sim, o meu grito está em sintonia com o teu poema.
Sentimos ambas essa revolta que nos dói. Porém desalento não o sinto. Quanto mais encontro quem precise mais redobro as minhas forças, e insisto e vou. Jamais desalentada nem vencida mesmo quando tudo seca à minha volta. É que há pessoas que caminham comigo e por essas nunca me sentirei cansada.

Beijos

SILÊNCIO CULPADO disse...

f@

Concordo contigo: As pessoas deviam parar de ficar tristes e começar a gritar ou a cantar à porta do governo... em vez de tomar anti depressivos...
É uma grande sugestão. Mas há mais.
Contigo iremos aonde for preciso. E tu vens e virás sempre connosco. E assim se fará a estrada.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

M.
O nosso grito é uma esperança M., porque é um grito de emoções fortes de solidariedade, afecto e desejos de justiça. É um grito que não morre mesmo quando a voz se apaga porque outros o continuam.
Não, não podemos ficar indiferentes a quem sofre e definha sem a dignidade de quem lhes reconheça que, por detrás da pessoa e do percurso, há uma identidade humana que é preciso preservar.
Para sermos gente não podemos ser sozinhos.

Abraço

sideny disse...

Lidia
muito bom post
as vezes apetece-me gritar bem alto , ate ficar rouca,isto para não andar mesmo a estalada.
principalmente quando vou ao hospital,quando recebo, quando ando de transportes enfim....
beijo

ManDrag disse...

Salve! Amiga
Dói-me viver!
Dói-me estar vivo, aqui e agora!
Mas persisto e continuo.
Não sei se faço a minha parte, ou não. Mas pelo menos não abandono a Esperança, a Fé, a Vontade.
Abraço. Abraços é o que me resta.
Salutas!

SILÊNCIO CULPADO disse...

Sidney
É grande a pressão que a vida exerce sobre nós e maior ainda quando escasseiam os recursos que nos permitiriam resolver os problemas básicos.
Não, não andes à estalada. Grita comigo. E repara, Sideny, quantas vozes se comprometem a gritar. Uma nova consciência está a nascer e nós estamos a contribuir para ela porque, como diz o Raul, o oceano é feito de gotas de água.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

ManDrag
A tua consciência é muito forte e daí a tua dor.Porém és daqueles que nunca está sozinho e que persistirá sempre. A força da tua mente, a tua crença, o mundo que crias e recrias são por si só a certeza da continuidade.
Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Carla Silva e Cunha

Obrigada pela visita. Folgo que tenha gostado do blogue. É um espaço de afectos, de solidariedades e, sobretudo de muita esperança e aprendizagem.


Abraço

Å®t Øf £övë disse...

Lídia,
Perante a crueza dos números é impossível que não nos doia a alma.
Bjo.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Å®t Øf £övë
Parece impossível que haja quem não lhe doa a alma com esta crueza de números. Mas há, infelizmente.Porque se não houvesse estas situações já tinham tido cura.
Ainda bem que tu achas que não se pode ficar insensível a tamanha enormidade. És dos bons. Contamos contigo nesta caminhada.

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Å®t Øf £övë
Parece impossível que haja quem não lhe doa a alma com esta crueza de números. Mas há, infelizmente.Porque se não houvesse estas situações já tinham tido cura.
Ainda bem que tu achas que não se pode ficar insensível a tamanha enormidade. És dos bons. Contamos contigo nesta caminhada.

Abraço