Feliz dia das Bruxas

Depois de uma noite de chuva o sol raiou de novo e senti-me com coragem para descer as escadas e ir mexer um pouco as pernas conforme conselho médico e assim atenuar os edemas provocados pelo corte cirúrgico e pelo arrancar de veias, numa das pernas.
Ir comprar o jornal, uma raspadinha e algo mais, entre as duas pontas das arcadas que me permitem um passeio em terreno plano com cerca de seiscentos metros, o que é bem bom para o meu restabelecimento físico.
A certa altura do percurso ia à minha frente uma senhora de já alguma idade. Não tinha pressa e a minha velocidade cruzeiro está em muito reduzida e caminhava atrás dela nas calmas sem qualquer preocupação. A certa altura ela pressentiu que alguém ia atrás dela encostou-se à parede e olhou para trás. Ao olhar para mim solta um grito e logo a seguir perante o meu espanto pede desculpas, diz ter-se assustado pois já tinha sido assaltada cinco vezes. Pediu desculpas de novo, que eu não levasse a mal. Perguntei-lhe se ainda não tinha pensado em comprar uma pistola depois de tantos assaltos. Disse-me que tinha medo de ter uma pistola pois ainda podia lembrar-se de dar um tiro na cabeça.
Aqui fiquei a pensar o que se passava naquela cabeça, se insegurança urbana ou mais do que isso insegurança no viver e nas amarguras que a vida lhe traz.
Continuámos, agora lado a lado andando lentamente ao ritmo de cada um. Eu sempre preocupado que alguém me desse um encontrão e ela visivelmente mais calma pois talvez se sentisse protegida por uma pseudo protecção que eu de forma alguma lhe poderia dar pois qualquer movimento mais brusco me provoca uma dor intensa.
Para ser sincero acho que o grito da senhora ao olhar para trás não foi devido à insegurança urbana que sente, mas sim em olhar para mim. Os hospitais têm o dom de me dar um aspecto pálido e um acentuar na minha magreza, em que tenho o aspecto de um cadáver vivo deambulando pelas ruas da vila. Vejo-o na cara dos amigos que me vêm ver e na de familiares que já não me viam há tempos. Por mais que queiram disfarçar eu noto a sua perturbação.
Não completei o percurso que tinha planeado, e ao passar pelo prédio onde moro, educadamente despedi-me aconselhando-lhe prudência e para estar atenta e decidi ir para casa, um andar acima destas arcadas por onde me passeava. Acho que a minha vocação de andar a assustar pessoas nas ruas está em baixa, e para além do mais estou a prejudicar o comércio local pois os clientes fogem e é preciso apoiá-los.
Estaria apto para trabalhar num dos velhos palacetes londrinos onde os shows “the life after death” têm lugar, vestido como um gentleman da idade média todo de preto, com uma bengala batendo no soalho e movimentando-me lentamente dando aos turistas a realidade de um morto vivo vagueando pela casa que outrora lhe pertenceu. Um bom guia escocês, cuja imaginação é muito superior à dos ingleses relatando estes factos, e seria um ilustre membro de um não menos ilustre clã que por ali viveu. R. Mc Aids talvez não ficasse mal. Morreu de uma doença desconhecida e trouxe-a como maldição até aos dias de hoje. As histórias que contam que a Aids/Sida veio dos macacos, ou outros mais elaborados que dizem que foi o resultado de um vírus criado em laboratório para dizimar negros e homossexuais é tudo mentira. A doença vem da maldição de R. Mc Aids que viveu naquela mansão e a espalhou pelo mundo.
Aqueles que vêm ao sítio do R. Rudoisxis (descendente português dos Mc Aids), dizem que ele deambula pelos blogues. Está muito pálido e é comum ouvirem-se gemidos que demonstram sofrimento. Também ele é vitima da maldição dos Mc Aids, que teimam em o levar, mas ele está mais preso à vida do que nunca. Em breve pagará a dívida de gratidão para todos aqueles que o têm acompanhado e apoiado.
Um bom dia das bruxas para todos, com muitos doces e muitas travessuras. À falta da abóbora que foi colocada na sopa devido à crise que estamos atravessando, prometo acender uma vela numa candeia que colocarei na varanda para vos dizer que estou vivo.
Um abraço a todos.

28 comentários:

Coragem disse...

Raul, este texto, deixou-me numa completa mistura de sentires...
Se nele reinou a boa disposição, nele senti a garganta presa, por alguém que amando a vida, não deixa de transmitir o quanto fraco se sente.
Deste lado, quis sorrir, mas não fui capaz, nem vale a pena dizer, o que conseguiu arrancar de mim, sabe-lo-à concerteza.

Um beijo enorme, e feliz dia das bruxas, para si também.

Isabel Filipe disse...

Olá Raul,

Este texto transmite a tua força ... apesar do sofrimento fisico que vejo estares a ter ...

apesar de tudo consegues manter o bom humor ...

desejo-te que a tua recuperação continue do melhor modo ...

beijinhos

sideny disse...

raul
Ja pensas-te hoje andar com uma abobora no braço ,ja que dizes que as pessoas se assustam contigo.
E dia das bruxas.
noto que estas bem disposto, ja foste dar um passeio embora andes a assustaste as pessoas.
Quanto ao aspecto acho que estas bom nao estas magro ,e depois de uma operaçao ficamos sempre com um ar palido,ficas giro, mas vai passar tudo passa.
beijocas
boa noite das bruxas,uiiiiiiii,que medo.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
Entre a boa disposição e a amargura fica todo um espaço por ser preenchido. O espaço em que a tua força de viver se irá impor fazendo do dia das bruxas um marco de recomeço em que, com as mensagens dos amigos, a abóbora e a vela saudarás a vida e o afecto que opera verdadeiros milagres.
Sei que estou a dizer balelas. Essa recuperação é dura que se farta, mas vais conseguir. Pena eu não estar mais perto para te oferecer umas castanhas.

Abraço

Eme disse...

Então foram os primeiros passos para o encurtar a distância da cura. É o regresso à selva na direcção da fonte de vida que começa em ti. O caminho para trás vai-se tornando esquecido, ficam só algumas pégadas para o relembrar. Já não silva no ar sequer o raio agourento da maldição do clã Mc Aids, porque as bruxas encarregam-se de o converter em fumo. O fumo invisivel das velas. E o aroma que delas emana voa em redor de um corpo outrora atormentado alojando se nas células com doçura, a doçura secreta de uma bruxa que à esquina aplaude e louva a coragem de um homem que não se deixou vencer por lágrimas ou protestos, que não deve nada a ninguém porque se bastou a si próprio e ainda se preocupou com o resto do mundo.

Aplaudo de pé este "conto" de ti e do imaginário.

Beijo

Odele Souza disse...

Raul,

Pois continue firme aí, "preso à vida" mesmo andando nela devagar, devagar, devagar...Pena eu não estar aí para te apoiar. Digo fisicamente. Não estou lá tão fortinha assim, mas acho que te aguentaria apoiado em mim a darmos uns passos cadenciados pelas ruas de teu bairro.

Quanto a tua palidez, você não é o único "cara pálido" da terra. Há pessoas que de tanto ficarem fechadas nos escritórios são brancas feito leite. Isto poderá se resolver se você caminhar na parte do dia em que o sol é benéfico e pode ir te dando uma corzinha, amorenando a pele. Tenta.

Bom fim de semana, Raul.

Elvira Carvalho disse...

Gostei de ler, pese a amargura que repassa em certas partes do texto.
Verdade é que apesar de todas as ciladas que a vida lhe tem armado, você continua,a viver com a mesma garra e força de sempre. Cirurgias levam o seu tempo, mas no fim elas sempre representam uma melhor qualidade de vida.
Que Deus o proteja, e o ajude na recuperação.
Um abraço e bom fim de semana

Fatyly disse...

Nunca me disse nada este dia das bruxas, que só há bem pouco tempo é que começou a ser comemorado.
Puseste o teu humor e senti o teu sofrimento - mais que natural - na recuperação da tua enorme intervenção cirúrgica.
Quanto ao aspecto físico que dizes ter - igualmente natural - em breve dissipar-se-à juntamente com essa tua força invisivel que também senti nas tuas palavras "preso à vida".
Força e todos estamos do teu lado caminhando passo-a-passo e vencendo um dia de cada vez.

Dois abraços e força!

Um bom fim de semana

f@ disse...

Raul Beijinho das nuvens depois volto para voltar a ler e comento
+ beijinhos

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul

Passei por aqui hoje dia das bruxas e vim ver se a tal vela está acesa.
Parece que sim e isso me satisfaz.

Beijos

R.Almeida disse...

Coragem
Imagino pelo pouco que sei de ti, aquilo que sentiste. Estou habituado em crises e contra a minha vontade a despertar nos que me são mais próximos esses sentires.Contudo tem sempre havido um escape, uma saida e vai continuar a haver.Depois da tempestade vem a bonança e eu não pereci durante a tormenta.
Bjs

R.Almeida disse...

Isabel-f
Obrigado pelo comentario e pelos teus desejos de recuperação. Temos de ter sempre um pouco de humor mesmo nas horas mais amargas.
Com geito vai :)
Bjs

R.Almeida disse...

Sideny
Tu tens a imagem bem presente,e já estou melhorzito. Não discuto gostos de cor pálida mas quando me viste no hospital apanhaste um sustito eu notei :)
Beijos

R.Almeida disse...

Lídia
Realmente um osso duro de roer esta recuperação agora com uma pequena infecção na costura do externo, daí segundo o médico aquelas dores que eu não estava a suportar.
Devagar chegamos lá.
Bjs

R.Almeida disse...

M.
Estou a caminho seguindo em direcção a ti. Cuida-te que em breve te bato ao ferrolho. Bjs

R.Almeida disse...

Odele
Mesmo longe sei que me posso encostar a ti nesta caminhada.
No Halloween até fica bem este branco de bruxo :)
Beijo grande

R.Almeida disse...

Elvira
Obrigado pelos votos de recuperação.Esperemos que a cirurgia realmente tenha valido a pena, para melhor qualidade de vida. Um abraço

R.Almeida disse...

Fatyly
Realmente o dia das bruxas só agora se está a entranhar na tradição portuguesa com modificações muito nossas. É o carnaval da bruxaria e a gente quer é festas. Dentro de anos estará em força o nosso dia das bruxas portugues.
Bjs

R.Almeida disse...

F@
Volta sim e se possivel com trajo de bruxinha montada em vassoura especial voando nas nuvens.
Bjs

R.Almeida disse...

Lidia
Quando uma vela se apaga a gente acende outra e mais outra.
O culto dos mortos, velas flores e competição na decoração de túmulos, segue-se ao dia das bruxas e ao ritmo que isto está a marchar será ainda nos nossos dias uma das grandes festividades anuais.
Valha-nos a reflexão de que com tudo isto nos apercebemos que a vida é efémera.
Bjs

sideny disse...

raul
SE te pareceu que apanhei um susto quando te vi, nao apanhei isso te garanto,pois o que vi nao era nada novidade para mim.
e tu sabes isso viste-me tambem com os mesmo aparelhos que tu tinhas.ou parecidos.
talvez admiraçao sim, por nao te ver ja ha bastante tempo,ha muito tempo mesmo.
mas gostei muito de te ver ,mesmo naquelas condiçoes e para ficares melhor e com qualidade de vida ,e isso que interessa.
as tuas melhoras e trata dessa pequena infeçao.
beijocas

Tony Madureira disse...

Com força e coragem tudo se consegue, e tu vais conseguir!!

Já agora:
Não acredito em bruxas… mas que elas existem, existem…



Abraço

R.Almeida disse...

Olá Tony
Com paciência conseguimos, o que acontece é a falta dela e querermos ficar bons de um momento para o outro.
Um Abraço

Maria Dias disse...

Olá Raul...

Primeiro quero lhe dizer que fico muito feliz em encontra-lo cada vez melhor e mais forte(muito mesmo).Na verdade, hoje, temos mais medo de viver do q de morrer.Viver hoje passa a ser uma grande aventura.Essa senhora talvez esteja cansada já da vida... De uma vida tão violenta, violenta demais pra ela... Além da solidão q a esta altura esteja já lhe fazendo companhia a todo momento.

Beijo grande

Maria

R.Almeida disse...

Maria Dias
Gosto em ver-te por cá. Coitada da senhora olhar para tráz e deparar-se com um alien recentemente saido do hospital. Eu rio-me, mas realmente tenho de melhorar as cores para voltar a ter parecenças com o comum transeunte.
Beijo grande para ti também.

mariam [Maria Martins] disse...

Raul,
Força!
que bom, ter escrito este post!mas vá com calma, não se canse muito...

votos de melhoras
um grande abraço
e um sorriso enorme :)

mariam

Maria Dias disse...

Querido Raul...

Não se importe com suas cores ou a falta delas... Aos poucos o sol mesmo encoberto pelas nuvens voltará a colorir-te e te dar o vigor que precisa pra continuar na vida.É tão bom poder sentir os raios do sol após alguns dias enclausurado não?

Beijinho

Anónimo disse...

Força Raula e abraço forte.
Sónia Pessoa