A incerteza do amanhã


Desde que nascemos que temos pela frente um vida inteira para viver. Em teoria, premeditamos uma vida longa, feliz e repleta de objectivos atingíveis. Começamos por dar os primeiros passos, amparados pelas mãos dos nossos pais e sentimo-nos protegidos do mundo. Não temos nada a temer, estamos salvaguardados para o que der e vier. Mais tarde, iniciamos os nossos estudos e na escola descobrimos que afinal não somos únicos e que se nada fizermos a concorrência surge em cada etapa, disposta a passar-nos à frente, em cada momento. No mundo do trabalho tudo se torna mais sério ainda e a luta incessante pelo sucesso e pela realização profissional, toma conta do nosso precioso tempo, por uma vida inteira ou quase inteira.

Vivemos o presente com a expectativa de que a vida se desenrolará em linha recta, o que na maioria das vezes não é verdade. De um momento para o outro e quando menos esperamos somos confrontados com situações complicadas, que condicionam e podem determinar até todo o futuro que tinhamos previsto sem sobressalto. No mundo do trabalho a incerteza é a principal constante. No campo da saúde, de um momento para o outro o infortúnio acontece.

Esta semana, um amigo com 19 anos, com a tal vida inteira pela frente, premeditada em felicidade e objectivos, sofreu um grave acidente de viação, tendo sobrevivido milagrosamente. Infelizmente, foram-lhe amputadas ambas as pernas, tendo ficado com toda a sua vida determinantemente condicionada a um futuro pouco risonho, repleta de condicionalismos reais e austeros.

Flávia, com uma vida inteira pela frente, viu o seu futuro determinado ao coma vigil em que se encontra há 10 anos. Odele, sua supermãe, viu também a sua vida condicionada ao infortúnio.

Todos os dias, no mundo inteiro, centenas ou milhares de seres humanos sofrem o desgosto de um acontecimento infeliz. Basta estar vivo! Estar vivo significa também estar disponível para o bem e para o mal.

A infecção pelo VIH, surge como um dos mais graves acontecimentos do mundo contemporâneo. Define-se como uma doença do comportamento, da mesma forma como se define o cancro do pulmão, causado essencialmente por quem fuma, ou o acidente vascular cerebral, causado pelo stress constante em que vivemos actualmente, pela luta incessante por coisa nenhuma, isto é, a luta pela sobrevivência na sociedade de consumo onde vivemos desumanamente.

Muitos dos atingidos pelo infortúnio, perdem a esperança e a força para continuar, pondo termo à vida de uma vez por todas. Para estes, ou se vive em pleno ou não vale a pena sobreviver. Desde que nascemos que estamos vivos. Continuamos com vida e enquanto a vida existir, devemos viver com o que temos, com o que nos vai sucedendo, de bem ou de mal, adaptando-nos aos acontecimentos reais que nos batem à porta, com a certeza de que ficaremos mais fortes, mais preparados e a bonança surgirá para nosso consolo, após periodos intensos de tempestade.

Dedico este texto a todos os que sofrem no mundo em que vivemos, pelos mais variados motivos. A todos vós que sofrem desmesuradamente, de braços abertos e mãos estendidas aqui estou para vos abraçar, porque sofro também...

19 comentários:

f@ disse...

Paulo às vezes eu penso que devemos estar preparados para o que a vida nos trouxer... mas nunca se está... e cada um de nós pensa que o seu mal é o maior ... o que tb não é verdade...cada um sofre à sua maneira, actualmente e na sociedade em que vivemos já poucos são os sensiveis ao sofrimento do outro... alguma coisa vai ter de mudar.
post mto bom tb este... mtas vezes temos de adaptar os nossos projectos de vida ao que nos sucede ao inesperado... mtas vezes tb descobrimos algumas coisas boas com as coisas más...
há onde é o sidadaniaII que não vejo??
beijinhos das nuvens

f@ disse...

há Paulo desculpas ... é miuf@... lol... já vi o sidadaniaii... beijinhos

. intemporal . disse...

F@
Tens muita razão em tudo o que dizes. De facto, pensamos ser os mais infelizes do mundo e... quando olhamos para o lado, deparamos sempre com situações ainda mais complicadas. O grande mal é que a sociedade é insensível ao sofrimento dos outros. A infecção pelo VIH veio mudar imenso a minha maneira de ser, e por muito controverso que possa parecer, agradeço-lhe isso. :)
O Sidadania II está na barra lateral do lado direito, é o primeiro rectângulo a verde. Por baixo do mesmo encontras o link "Abre aki a janela" :))
F@, obrigado pela visita.
Beijinho especial.

Odele Souza disse...

Paulo,
Obrigada pela referência ao caso de Flavia. E seu texto está primoroso.

Analisando o que você aqui escreve Paulo, sobressai para mim a consciência que você demonstra ter da necessidade de nos adaptarmos "aos acontecimentos reais que nos batem à porta..."
Não sei Paulo, se isto nos dá a certeza de que ficaremos mais fortes. Mas é certo que na convivência diária com a dor e a adversidade, vamos nos percebendo mais fortes. E essa força vem de nós mas não´só. Essa força vem também do amor que as pessoas nos demonstram. É nisso no que mais acredito Paulo, no amor entre as pessoas.

Um beijo.

. intemporal . disse...

Odele
Obrigado pela Visita. Este texto pretende ser um aconchego a todos que sofrem no mundo e que padecem das mais diversas adversidades. O caso de Flávia é um testemunho real e inequívoco disso mesmo, da luta pela vida, a cada dia que passa. De facto, o amor entre as pessoas reúne os esforços necessários para enfrentar. No Sidadania é objectivo maior a construção desse amor, para que apoiados, possamos também apoiar.
Um beijo para Si e outro para Flávia.

sideny disse...

paulo
muito bom este post.
e verdade ha pessoas que estao a sofrer mais do que nos, infelismente.
esse seu amigo tao novo que teve a pouca sorte de ter um acidente tao grave,
a flavia tao nova estar em coma ha tanto tempo, quando devia haver um controlo rigorroso nas piscinas para que se possam utilizar com seguranca total.
tive um amigo que sofria da mesma doenca nossa fiz de tudo para lhe dar coragem para combate-la,
mas ele foi abaixo e nao resistiu .
hoje ainda me custa pensar que ele se deixou ir --desistiu de viver.
nem todos tens forcas para aguntar-se como nos.
abraco

. intemporal . disse...

Olá Sideny
Que bom tê-la por aqui.
De facto, é preciso força e determinação para encarar a doença e seguir em frente. No Sidadania tudo fazemos para que não haja lugar a desistências. Enquanto há vida há esperança e enquanto houver esperança há que lutar com todas as forças para combater as adversidades.
Abraço

sideny disse...

paulo
eu,tu e o raul sabemos isso melhor que niguem ,mas ha quem nao sabe .
a doenca ajudo-nos a melhorar o nosso pensamento, e ate a ter coragem para tudo o que nos possa vir a acontecer.
abraco

Silvia Madureira disse...

Olá:

Todos sofremos um pouco e isto deve-se ao facto de querermos mais e mais e depois não se concretizar...enfim...a frustração.

As pessoas no geral não têm culpa...sofrem...por qualquer motivo.

Na verdade senti que esse abraço também era para mim.

É claro que existem sofrimentos mais intensos do que outros mas...é na procura de ultrapassá-lo que nos vamos destinguindo uns dos outros.

Existem pessoas que de facto nos dão uma grande lição de vida e mostram que não existe pedra alguma que nos possa impedir de caminhar...nenhuma...por maior que pareça...

Portanto...continuem...

beijo

. intemporal . disse...

Silvia
O abraço é também para Si sempre que dele necessitar. Da mesma forma sinto também o Seu abraço sempre que comenta no Sidadania, demonstrando a sua amizade e solidariedade.
Estamos aqui para a apoiar sempre.
Receba então o abraço que lhe dou, de braços abertos e mãos estendidas.
Beijo

Isabel Filipe disse...

Olá Paulo,

O teu texto está lindo ...

quem nunca terá sofrido na vida? será que se pode ter o privilégio de nunca sofrer ? ...

deixo-te um abraço muito forte ...

beijinhos e obrigada

. intemporal . disse...

Olá Isabel
Fico feliz pelo Seu regresso. Espero que tenha passado umas boas férias. :)
De facto, durante o percurso da vida, há sempre momentos de sofrimento. No entanto o meu texto destina-se aquelas pessoas que sofrem permanentemente, durante uma vida inteira, ou por questões de saúde, ou por outro motivo qualquer.
Um beijinho e ... espero encontrá-la sempre por aqui.

Coragem disse...

Paulo, este teu texto, veio de encontro ao momento intempestivo em que me encontro.
Existe tanta forma de sofrimento e tanta forma de sentir esse mesmo sofrimento...
Cada vez mais nos vamos isolando do mundo, mais propriamente das pessoas, pensamos ser auto suficientes e maior engano, não há!

A saude, ou a falta dela é dos maiores precipicios com que nos podemos deparar, sabes isso melhor que ninguém.

Mas o sentirmo-nos sós, ou o estarmos efectivamente não deixa de ser cruel...

Mas também não deixa de ser verdade, que temos uma tendencia enorme para achar que o nosso caso é sempre o pior de todos.
Nénhum sofrimento se iguala ao nosso, nenhum desamor é tão doloroso quanto o nosso, nenhuma doença é mais traidora que a nossa.

Há um tempo para reflectir, ponderar, estruturar...
Para caminhar de novo e enfrentar a fera, que chamo de vida.Ou a vida que chamo de fera...Tanto faz!

Paulo, estarmos vivos, só por si é maravilhoso, agradeço este texto, como se a mim fosse dirigido...Obrigada.

Beijo sincero

. intemporal . disse...

Coragem
Tenho estado a seguir todos os teus passos no teu cantinho. Confesso que estou preocupado. És a minha bengala predilecta, a que mais gosto e sei que não estás no teu melhor momento. Dedico-te este texto de corpo e alma, tu que és uma mulher de dentro para fora, repleta de sentimentos nobres, que sofres a dor da partida de quem amavas, sangue do teu sangue, alma da tua alma. Sinto o teu trajecto a cada dia que passa, revejo-me na tua experiência como se fosse minha e quero que saibas que penso em ti sempre. Olha, gostava de ter uma irmã como tu, com a certeza de que jamais desistiria, enquanto existisses para me apoiar e para eu te apoiar também.
Beijo sincero.

Fatyly disse...

Um texto escrito com alma e sempre pensei, disse e faço...viver um dia de cada vez até à exaustão porque além de não sabermos o dia de amanhã também não consigo prever o inesperado.

Sim, há mil formas de sofrimento e só quem passa por elas é que poderá dar o real valor...ou então ao apoiar, fazer voluntariado, ajudar, vê, aprende e esquece por momentos o seu sofrimento em prol dos outros e quando retorna ao seu problema verá que tem outras capacidades para continuar.

Já vi muito
Já aprendi muito
Já ajudei muito
Já sofri muito

mas sempre quando acordo digo e penso:ainda estou viva e volto ao aprendizado numa luta diária porque afinal não sei rigorosamente nada já que os sentimentos são barcas flutuantes.

Entro no teu abraço e parabéns pela força das tuas palavras.

Biby disse...

Olá Paulo!
Em primeiro lugar muito obrigado pelo comentário deixado no meu blog:)
Uma vez comentei com o Raul que a minha tese de mestrado é sobre o VIH e a relação com o sofrimento, esperança , vida e morte. Espero que quando chegar ao fim da minha investigação possa encontrar algumas formas de atenuar o sofrimento daqueles que são afectados pelo VIH...uma coisa tenho já presente...a porta da esperança não pode ser fechada, NUNCA!
Beijinhos cheios de força!
BIBY

. intemporal . disse...

Fatyly
É isso mesmo. Viver um dia de cada vez, o amanhã é incerto para todos. O sofrimento a que estamos sujeitos, torna-nos maiores, com vontade de ajudar todos que de nós precisem, sempre. O sofrimento abre o coração humano e reparte-o por todos aqueles que, tal como nós, precisam de um abraço, uma palavra, um apoio, uma atitude humana a cada momento.
Um beijinho muito especial

. intemporal . disse...

Olá Biby
Fico muito feliz com a sua visita ao Sidadania. Gostei muito de conhecer o seu blog e lá passarei sempre, pois reflete uma grande leveza, um enorme cuidado, uma delicadeza especial. Desejo profundamente que a sua tese venha atenuar o sofrimento dos portadores do VIH. Ter escolhido fazer uma tese sobre o VIH é um acto de grande valor. Os meus sinceros parabéns. Obrigado pela força e muitos beijinhos também.

M.MENDES disse...

Paulo
Caramba, Paulo, fizeste de mim um sentimentalão que não consegue ler o teu texto sem ficar de olhos vidrados.
Todos sofremos, Paulo. Quem é que não sofre? Uns mais outros menos a vida é feita de sofrimento. A força e a forma como lidamos com o sofrimento é que nos distingue e tu és dos fortes.