O SILÊNCIO e a S(a)IDA

Viver a infecção pelo HIV representa o maior desafio com que me deparei em toda a minha vida. Não é, nem nunca será certamente, como viver com outra patologia qualquer, por mais grave e debilitante que a mesma seja ou possa vir a ser. Nas patologias em geral, e lembro-me do cancro, por exemplo, as pessoas contam com o apoio da sociedade, dos familiares, dos amigos, dos colegas de trabalho e até da hierarquia profissional. Sujeitam-se a serem classificadas como coitadinhas, como aquelas a quem a sorte não lhes sorriu, a quem a desgraça lhe coube, mas esse facto é pouco relevante pois o amparo que sentem, é o motor de arranque para lutar contra a doença. Todos os dias têm quem lhes pergunte: Então, está melhor? Como é que se sente hoje? Deixe lá, isso há-de passar. Viver a infecção pelo HIV é viver ocultando a existência da infecção, é fazer de conta todos os dias e em todos os momentos de que não estamos infectados, de que essa patologia não existe em nós, de que isso é apenas um problema de alguns, nunca um problema nosso. E aprendemos a repugnar a infecção como se não a tivessemos, para podermos caminhar lado a lado com a sociedade hipócrita que nos rodeia. Aos poucos, nos conformamos que a infecção é caraterizada apenas por uma relação bilateral entre nós e o virus matreiro e hediondo, não há amparos, não há condescendência, não há parceria, não há afecto de terceiros. Se houvesse alguma coisa, seria apenas a descriminação, o estigma, o preconceito, o apontar do dedo, o repúdio, a censura, o afastamento e a fuga, o que já não seria pouco. E talvez sejamos muito poucos, aqueles que podemos contar com o amparo da familia e com o de alguns amigos. Neste caso, seremos uns afortunados. Eu, tive a sorte de contar com a minha familia e com escassos, mas bons amigos. No entanto, no mundo exterior, no exercicio da minha profissão, tenho de agir como se não estivesse infectado. E faltam-me os abraços de todos os que me conhecem e que lidam comigo diariamente. A Sida coloca-nos barreiras em todos os aspectos da nossa vida, reduz-nos os objectivos, retira-nos o gosto pela vida, e obriga-nos a reaprender a viver de novo com todas as condicionantes que a mesma nos impôe. E é uma tarefa árdua para executar em silêncio. E se a Sida promove o silêncio, o silêncio deverá promover a saída. E a saída do silêncio passa por vivermos uma vida a um nível mais interior, mais sublime, no fundo mais racional, o que faz efectivamente a diferença nesta passagem pelo planeta Terra. Cumpre-nos construir a partir de agora uma vida mais introspectiva, com mais valor, e crescer por dentro em todos os sentidos e elevar e enriquecer a alma, reduzindo o mundo exterior aquilo que no fundo ele representa, um quotidiano superficial, repleto de senso comum e a vida finalmente fará mais sentido. Nesta sociedade plana, seremos aquilo que nunca fomos, seremos singulares e agradeçamos esta virtude e esta conquista à Sida, por muito estranho que nos possa parecer. Contemos connosco e somente com aqueles, por muito poucos que sejam, que possamos contar.
Eu estou aqui, para quem quiser contar comigo, desta vez e muito provavelmente, para viver a vida e a Sida, sem silêncio e com saída.
Caloiro

3 comentários:

Biby disse...

Olá!
Por falar em SIDA e cancro encontrei este video http://br.youtube.com/watch?v=stgOBoCK3i0

Esta "gente" anuncia a cura do cancro e da SIDA com agua pesada!INCRIVEL!!!! Realmente acaba com o cancro e com a SIDA ...mas pelo facto de matar os seus portadores...

Anónimo disse...

E o que deve fazer um SIDAdão que sofre em silencio que esconde o seu estado clinico como seropositivo, que cumpre as regras de usar o presevativo que rompe a meio da relação... o que faz? Silencio? Gritos? O que faz um SIDAdão triste e amargurado pelo silencio e pelos xutos nas pedras que se atravessam no caminho... Grito de dôr ou silencio o amor?

Anónimo disse...

TEnho uma grande família e de facto também vivo silenciosa sobre mim própria. A única vez que tentei falar com uma cunhada médica sobre o pavor que tinha de um futuro sem um aúnica certeza a nível financeiro visto estar desempregada e não ter bens pessoais, ela deu um grito como um cão raivoso e respondeu que estivesse calada porque eu era uma dramática e havia sempre um drama para falar...foi a primeira e últlima vez que falei dos meus terrores que não são o medo de morrer(até era um alívio) mas a terrível insegurança e incapacidade de pedir que me ajudem pois tenho sempre a "culpa horrível" de ter apanhado a doença...só faltava que ainda tivessem de me ajudar! Isto é a minha realidade e também já pensei se não era melhor haver sidarias onde ficássemos todos `espera da mmorte sem nos julgarmos çuçns aos outros...