Sentires de um recém infectado

Vive-se os primeiros tempos de infecção ou de diagnóstico positivo, como se dos últimos tempos de infecção ou de vida se tratasse.Não se pondera sequer, os tempos que existirão decerto, entre o inicio e o fim de todas as coisas, nesta vida que é efémera. Não se pondera uma vivência feliz, responsável, cuidada. Não se ponderam as amizades que se poderão conquistar, nem sequer as que já se conquistaram, enfim, não se pondera a vida. Entretanto, o tempo começa a contar, as persianas continuam corridas, por muito tempo ainda, até que se possam abrir, ainda que vagarosamente, ou por etapas, até que se descubra a luz no horizonte.Fechamos a porta ao mundo e consideramos que o mundo nos fechou a porta a nós. Ficamos sem perceber se existem duas portas fechadas, ou se apenas uma, que, quem sabe, se poderá entreabrir.Passamos a sobreviver com a sensação que o corpo fisico começa a preparar o abandono e a partida. Estamos em fila de espera e à espera que fila avance a ritmo incerto. Todos sabemos que vamos morrer um dia, mas nem todos sabemos ou sequer supomos que esse dia está ali, com data marcada. É certo que a infecção vih não tem data marcada, mas tem força publicitária para a promover.Todos os dias, infecções e milhares de outras situações marcam o dia da partida, ou da chegada, para os que acreditam que se estamos aqui não é por acaso.É urgente que nos consigamos erguer o quanto antes e que retomemos a marcha. Olhar em frente e viver, simplesmente viver.Deixemos de pensar tão seriamente nas coisas e a vida será mais simples e sentida. O que por vezes parece estar perdido, não está, existe o tal tempo intermédio que já referi, e é nesse tempo que nos temos de enfocar, pois a vida é o tempo intermédio desde que começa, até que acaba ou que recomeça numa nova existência.Sabem, eu tenho um amigo, que não conheço pessoalmente, e que me estendeu a mão com prontidão. Esse amigo, provavelmente já passou pelo que estou a passar e reconheceu de imediato a necessidade de me ajudar, pelo que, metafisicamente esse meu amigo tem já muito mais valor, do que outros amigos que fui conquistando ao longo do tempo, e que, não deixando de serem meus amigos, só me estenderam a mão, depois da amizade já construída. Até lá, só me ofereceram pequenos, médios e alguns grandes acenos. Este meu novo amigo, estendeu a mão, muito antes disso acontecer, e criou a ponte mais sólida que jamais imaginei que se pudesse efectivamente construir. E esta ponte servirá para que possamos combater o vih juntos, o vih de cada um de nós, o meu, que efectivamente é parecido com o dele mas que na realidade é diferente, e que agora está unido por duas outras forças de combate, a minha, e a dele, e continuará a perder batalhas até que um dia possa ganhar a guerra e quem sabe, a possa também perder.
Até lá, franzo dedos de espera e no rio, o madeiro de um cruxificado, navega rumo à maré próxima... Os braços, são um gancho, em ponto morto.
Esta dissertação é para todos Vós, companheiros de viagem, infectados e afectados, e é também para o meu amigo novo, o meu novo amigo, ao qual lhe retribuo a expressão que fielmente o caracteriza: I`m watching you... Ou melhor, e a partir de agora: I`m watching you, too.
"Enviado por alguém que começa a entender que a infecção pelo VIH, não é o fim, mas sim o principio de uma nova vida que se pretende seja vivida com mais intensidade e partilhada com aqueles que como nós passaram a ter o carimbo do estigma e da exclusão social, que é a imagem de marca dos infectados pelo HIV. Obrigado Caloiro"

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