Santos de casa fazem milagres


Milagres acontecem, mesmo com santos de casa, contrariando o provérbio do povo que diz o contrário. A SIDA é a nossa casa e estávamos em Bilbao numa conferência europeia, sobre a co-infecção HIV/HCV, quando fui abordado por um companheiro que tinha de ficar naquela cidade por mais 2 dias e não tinha medicação que chegasse para esse tempo extra, e estava preocupado em quebrar a aderência pelo perigo de poder criar resistências.
O Paco é um cavalheiro sexagenário, com problemas numa das pernas caminhando sempre apoiado no seu “baston” (bengala).
Eu podia ceder-lhe uma toma de comprimidos, pois tinha voo directo de regresso a Lisboa e chegava a tempo da minha toma. Falei com outros companheiros e consegui a medicação para suprir as necessidades do Paco.
Num dos intervalos das palestras, que nós aproveitamos para satisfazer as nossas necessidades nicotínicas, dirigi-me a ele ainda no auditório para lhe dar a medicação em falta. Acho que nunca vi ninguém tão contente, e saímos juntos para o local onde poderíamos fumar.
Não tomámos o elevador e subimos as escadas até ao local de fumo que ficava dois andares acima, conversando alegremente. Notei que o Paco caminhava sem problemas e sem o apoio da bengala que devido á sua alegria em ter arranjado a medicação ficou esquecida no auditório, mas nada lhe disse. Quando já estávamos desfrutando do nosso cigarro referi-lhe o acontecido rindo-me e a única coisa que ele falou repetidamente foi “milagro…milagro San Raul de Portugal”.
Mais tarde vi-o caminhando com a Bengala de novo, pois os milagres têm efeito igual ao da carruagem e do vestido da Cinderela, que depois da meia-noite perdem o efeito, mas talvez isso seja devido à minha falta de prática em os fazer.
Vou tentar praticá-los em recém infectados, na altura em que a notícia lhes é dada com toda a carga negativa que a palavra POSITIVO tem, quando se refere ao HIV, e em que as suas mentes não pensam em mais nada senão na desgraça e na morte.
Os miraculados futuros que se cuidem, pois se os milagres tiverem prazo de validade temporal sempre posso pedir a bengala ao Paco, para lhes dar com ela na carola para que os mesmos se reactivem e se tornem milagres permanentes à semelhança da infecção pelo HIV.

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