A SIDA de ontem, de hoje e de amanhã

À semelhança da tradição a Sida já não é o que era, e apercebi-me disto numa reunião de uma das nossas associações que frequentei há uns anos atrás. Em dez anos as coisas mudaram radicalmente, e hoje os recém infectados não têm os mesmos problemas e necessidades que tinham no passado. Contudo têm outra espécie de problemas e podemos mesmo dizer que alguns são semelhantes aos do passado contudo são atenuados e passam mais depressa.
Enquanto que no passado a infecção estava associada a uma morte dentro de um período mais ou menos curto, ainda associada à mentalidade pré tri-terapia que na altura estava nos seus princípios, os infectados de hoje têm a noção de que vão ter muitos anos de vida devido aos medicamentos. No passado sentíamos necessidade de nos encontrar com outros infectados e ir trocando experiências e aprendendo acerca da doença. Hoje após o primeiro embate, a habituação à medicação e a aceitação da doença, os infectados preocupam-se em esconder o seu estado serológico em relação ao HIV, e não querem ouvir mais falar de Sida, continuando a fazer as sua vida normal, preservando o emprego e seguindo em frente.
O estigma que veio do passado continua bem presente na nossa sociedade e há que esconder a doença para poderem continuar a ter uma vida aparentemente normal sem se quererem envolver em qualquer tipo de associação ou convívio com outros que tenham a mesma infecção.
Afinal, penso eu que raio de doença é esta que exige dos seus doentes uma fuga à realidade da mesma, para continuarem uma vida com convívio social, trabalho e tudo o mais que constitui a vida de qualquer não doente.
A cultura do medo continua bem presente nos infectados com o HIV. Se uns medos desapareceram e refiro-me aos interiores como a morte a curto espaço, internamentos hospitalares longos entre outros, outros medos estes exteriores vindos do passado e da cultura adquirida pela sociedade em relação à Sida parece que aumentaram.
A sociedade parece ter compreendido a maneira como o HIV se transmite e que o convívio social, beijos e abraços não transmitem o vírus e só mesmo as relações sexuais não protegidas o fazem. Não falo da transmissão pelo sangue pois no convívio do dia a dia não anda a correr sangue por tudo quanto é sitio e se isso acontecer foi por acidente esporádico.
Então se queremos fazer crer que a sociedade está mais informada em relação à SIDA, porque será que nós infectados continuamos a ter medo?
Desiludam-se aqueles, que pensam acreditar que a sociedade está mais informada e que a infecção pelo HIV é algo banal e não coloca obstáculos ao convívio diário.
A Sida foi, é, e continuará a ser um elemento de discriminação. Operações de cosmética para tornar este cenário mais suave, foram e continuarão a ser feitas sem que o estigma desapareça na realidade.
Quais são as necessidades actuais dos infectados, e qual o apoio que poderemos esperar das entidades responsáveis pela pandemia, quer a nível governamental quer do de associações que trabalham nesta área.
O governo tem o seu programa de cobertura das necessidades, que devemos aproveitar ao máximo e reivindicar onde existam falhas. As associações terão de se ajustar à realidade actual dentro da especificidade da área em que actuam, se quiserem continuar com um trabalho útil relacionado com a SIDA. A comunidade infectada e afectada terá de decidir quem realmente tem legitimidade para os representar e ao mesmo tempo estar preparada para fazer ouvir a sua voz e dizer aquilo que quer que seja feito em relação ás suas necessidades.
Há quem tenha a humildade de reconhecer falhas em projectos desenvolvidos no passado, o que na realidade é muito bom. Falta entretanto alguém que tenha a coragem suficiente para efectuar um novo projecto, que funcione e sirva a comunidade, do qual mais tarde se possa orgulhar.
Num país em que tanta coisa falha a todos os níveis, não obstante os governos mudarem, será legitimo pedir que pelo menos em relação às politicas de saúde, e em particular em relação às doenças crónicas, das quais o HIV continua a ser cabeça de cartaz, que possamos sair do cinzentismo do passado e de actuações medíocres nesta área?
Legitimo é sem dúvida alguma. Quanto à praticabilidade deste pedido, tudo depende da vontade dos homens, e embora cada vez mais descrente penso, embora com reticências que ainda há homens de boa vontade.

6 comentários:

Anónimo disse...

Ola Ru2x, embora eu não faça muitos comentários aqui no teu blog , sempre que posso venho espreitar , gosto de ler o que dizes , a 1º vez que aqui xeguei foi atraves do blog da Manuela ( só mais um bocadinho), tens razão a ciencia essa está mais avançada em relaçao a sida e ao cancro tbem , mas as pessoas pararam no tempo , tem medo sempre do outro e isso não é bom ,
Eu tenho cancro a 3 anos e agora voltei a quimo e tou careca entao hoje em vez de andar de chapeu decidi por um lenço , pois as pessoas ficam tipo estáticas a olhar para mim parece que nunca viram , mas eu nem ligo para mim ou são pessoas que sentem pena de mim ou são ignorantes , a nossa sociedade infelizmente tem muitos tabus , olham muito a aparencia e ao que a pessoa tem ou não tem , ...

Admiro te muito pela tua franqueza e de não teres medo de enfrentar o próximo , continua com a tua força ela vai levar te onde mais desejares

Um beijo
Anixinh@

R.Almeida disse...

Olá Anixinh@
Na verdade somos diferentes, mas se pensarmos bem ninguém é igual.
Muitas vezes queriamos ser como eramos antes da doença, mas isso é impossivel e temos de continuar em frente como somos neste momento.
Olhar as pessoas e discriminá-las pelo seu aspecto ou por serem portadoras de uma qualquer doença,não deixa de ser igual à discriminação pela cor da pele ou da sua situação económica e social.
O mundo é assim e nada podemos fazer para o mudar.
É bom que quem olhe para ti, para mim e para tantos outros, consiga ver a beleza interior sem se preocupar com o aspecto das embalagens que embrulham aquilo que realmente somos e que está dentro de cada um de nós.
Há dias comprei um bolo pré confeccionado com uma embalagem lindissima.Abri a embalagem coloquei a massa na forma e depois no forno.A Embalagem foi para o caixote do lixo pois não me servia para nada.O bolo depois de pronto, foi saboreado por mim e por amigos e o seu sabor ficou registado na minha mente.
Para te ser sincero da embalagem que era tão atractiva,já nem me recordo.
Era bolo de maçã de uma marca conhecida :)
O importante é o bolo que cada um de nós é, e podes contar com uma fatia do meu bolo.
Jinhos e vive um dia de cada vez com todas as tuas forças, aproveitando-o ao máximo.

Anónimo disse...

Pois é…. De repente, eis que decido levantar voo pela Internet e eis que encontro uma imagem que me é familiar. Já tinha visto aquela foto com o muro branco, o caixote do lixo, uma arvore… já tinha visto algures essa imagem e ficou-me na retina.
Não precisei de ler muito do conteúdo para perceber que tinha encontrado o ninho.
Encontrei o teu refúgio! Sabia que mais tarde ou mais cedo iria encontrar, tinha esse pressentimento.
6 meses após ter exprimido o que sentia com a tua falta aqui estou, encontrei-te e pelos vistos continuas cheio de penas.
Procurei em Mosaicos, tentei encontrar entrelinhas, esperava um sinal mas nada…
Acreditam no acaso? Eu já nem sei o que é o destino… Bem sei que a sorte de constrói mas por vezes faltam-nos os meios para tal.
Hoje, quando descobri o teu ninho decidi começar a procurar os ovos de ouro.
Assim fiz… Comecei em Agosto e eis que chego a Setembro e encontro um Post com o titulo “Encontros e Desencontros”
Aí está, encontrei um ovo de ouro! Não imaginava encontrar e realmente surpreendeu-me.
Não desesperei a tua procura porque sabia que um dia iria saber onde estava o teu ninho. Agora que te encontrei não vou deixar de dar uma bicada diária neste ninho e se puder e me permitirem terei todo o prazer em ajudar a crescer com alguns galhos soltos.
Ovos de ouro deixo-os para ti mas deixo um aviso: Estou no teu encalço e pretendo igualar o meu voo ao teu. Sou novo nisto sabes? Ainda dou muitas bicadas no chão quando tento sair do ninho voando.
Afinal não foi preciso esperar pelo verão…
Vou continuar o meu voo ainda me faltam 6 meses para chegar a Março.
Até breve

R.Almeida disse...

Um dia todos nos encontramos em qualquer esquina em qualquer lugar. Tentativas de deixar pistas no forum para que os perdidos se encontrassem eram simplesmente e de forma pidesca censurados pelos todo poderosos, que os não publicavam.
Vem voar em bando, isto também é teu.
Dicas de quem és...foram poucas, ou nenhumas pois há tantas aves raras perdidas.Bem vindo/a à liberdade de ser sidoso/a

Anónimo disse...

A discriminação só existe com conivência do próprio. Se a isso se for indiferente, não surte efeito e é reduzida à sua insignificância. Se se traduzir em direitos violados, há meios de dela se defender, quer pelos tribunais, quer pela comunicação social, sempre ávida de uma notícia escandalosa.
Eu nunca escondi o HIV, apesar de também nunca o ter exibido como estandarte.
Nas situações em que considero necessário, falo do assunto; quando tal me é perguntado, respondo com verdade. Não me tenho dado mal até agora. :)

R.Almeida disse...

Quanto a esconder o HIV, cada um tem o direito à reserva do seu estado serológico. Usá-lo como estandarte ou publicitá-lo embora pareça uma pura idiotice não deixa de ser um direito daqueles que acham que o devem fazer.
Lembro-me de uma moça que foi infectada por ter tido relações sexuais não protegidas com um individuo de porte atlético que conheceu num ginásio. Dizia ela, que ele tinha um óptimo aspecto e transpirava saúde.Achava que tinha o direito de ter sido informada pelo macho, sem contudo pensar que tinha o dever de se proteger usando o preservativo pois nenhum infectado/a tem um letreiro na testa e as pessoas sabem que a sida existe e qualquer um pode estar infectado, mesmo sem o saber.Citei este caso por achar que é discriminação achar que qualquer infectado tem o dever de comunicar o seu estado de seropositividade ao HIV,sem se preocupar em cumprir o dever de se proteger.
Acho bem, a tua maneira de pensar. Falar do HIV com verdade e quando nos é perguntado e acharmos necessário fazê-lo.