Falando caro e não claro

Lembro-me há algum tempo atrás, num noticiário da televisão uma senhora familiar de um doente que havia falecido e em que se questionava se tinha havido negligência médica ou não, falar acerca da consulta com o médico que havia assistido o seu familiar em que ela dizia: Sr. Doutor, por favor fale-me numa linguagem normal que eu entenda.
O médico respondeu : Mas minha senhora eu estou falando numa linguagem normal.
Há tempos estava conversando com um médico amigo e ele estava-me contando um episódio da sua vida profissional de uma criança com uma doença difícil de diagnosticar. Depois de muitos testes que mandou fazer à mesma, entrou em contacto com uma colega imunologista a qual lhe tentava explicar, em termos técnicos o que se estava a passar. Também ele tinha dificuldade em entender tal linguagem e depois de ter resolvido o problema e a criança ter sido enviada para o estrangeiro para tratamento. ele mesmo resolveu matricular-se na faculdade de novo e tirar a cadeira de imunologia, por achar que a mesma lhe fazia falta para a sua actividade profissional.
Tenho notado realmente que aquilo de que a pobre senhora se queixava é uma realidade e no passado por vezes eu também tinha dificuldade em entender o que me diziam por não ter muitos conhecimentos sobre a doença e sobre os medicamentos que tomava. Por vezes fazia cara de parvo não entendendo o que me estavam a dizer mas tinha o bom senso de fazer anotações num bloco e depois através do telefone valer-me de médicos amigos para me explicarem o sentido das coisas.
Os doentes merecem todo o respeito por parte do clinico que os trata, e a sua função não é fazer uma oração de sapiência, mas sim fazê-los compreender a doença que têm de uma maneira que se ajuste ao conhecimento de cada um, com o fim de que eles possam compreender o estado da doença.
Numa altura em que muitos médicos e autoridades de saúde, e estando a falar especificamente em relação à infecção pelo HIV, se preocupam com a adesão à terapêutica antiretroviral, acho que uma acção didáctica no sentido de fazer com que os doentes soubessem o que é uma carga viral e a função das células CD4 em relação à sua doença, bem como que falhas nas tomas da medicação podem fazer com que os medicamentos deixem de ser úteis pois o vírus pode criar resistências aos mesmos, seriam um pequeno passo em frente para que os doentes se começassem a interessar pelo seu estado de saúde.
Uma vez em conversa com a médica que segue a evolução da minha infecção, ela perguntou-me quais os medicamentos que eu tomava e depois mencionou que tinha muitos doentes que nem sequer sabiam o nome dos medicamentos que tomavam. Sei que isso é verdade, mas também sei que se dissermos o nome da marca do medicamento, logo a seguir muitos médicos falam no nome do composto químico daquele medicamento que tem uma designação de marca, baralhando o pobre do doente.
Uma coisa é certa e não quero com isto dizer que os médicos são os maus da fita, e os doentes os coitadinhos, mas se de parte a parte houver um diálogo de aproximação médico doente todos ficam a lucrar. O doente por que começa a ser um elemento activo no seu tratamento e o médico porque passa a confiar neste e a saber mais facilmente quando algo não está bem.
O Tempo de se tirar o chapéu em sinal de subserviência ao senhor doutor já passou e está directamente ligado ao nosso passado fascista. O médico é um prestador de serviços de saúde e convém que o faça o mais eficientemente possível, para bem dos doentes e para o seu prestigio profissional. O mesmo acontece em qualquer outra profissão desde a mais modesta á mais complicada.
Não se pode exigir que os doentes tirem um curso de medicina, para compreenderem o que os médicos lhe querem dizer. Isto seria contraproducente e poderia por os seus postos de trabalho em risco se todos se formassem médicos.
Mas acho que se pode exigir dos médicos um pequeno esforço para através de uma linguagem simples, fazerem os doentes compreender a gravidade das suas doenças e torná-los mais participativos em relação aos tratamentos que lhes são prescritos.
Qualquer doente tem o direito à informação acerca da sua doença, e convém que essa informação seja dada de maneira a que ele a entenda ou não será informação.
Aos doentes cabe a missão de se tornarem participativos, aprenderem as bases sobre a doença que têm e colocarem todas as dúvidas ao clinico que os trata.
Tudo o que se possa fazer no sentido de avançarmos numa relação mais próxima médico doente será um avanço nos cuidados de saúde e na adesão dos doentes aos tratamentos. Precisamos de gente de boa vontade para atingirmos grandes objectivos e alguém terá de dar o primeiro passo em frente. Será que isso vai doer? Eu creio que não.

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