MÉDICOS COM HIV


Às vezes somos levados a pensar, em como é bom ser médico enfermeiro ou outro profissional altamente qualificado que presta serviços de saúde e cuida de nós. Como seria bom sabermos cuidar de nós, da nossa saúde e sabermos como nos tratar. Chegamos mesmo a pensar que os médicos não ficam doentes e sabem evitar as doenças.
Quando tomamos conhecimento de que um médico se infectou pelo HIV, porque o caso é levado às páginas dos jornais e dos meios de comunicação social ou porque de alguma maneira isso nos é revelado ficamos atónitos e espantados como isso aconteceu. A primeira ideia que passa pela cabeça das pessoas é que se infectaram a tratar de doentes HIV, e de imediato por muito bom que esse médico seja a primeira acção é de rejeição e certamente esse médico não estará na lista de escolhas (se é que isso existe) dos médicos disponíveis para tratarem de nós ou de nossos familiares.

Dizia-me uma amiga a propósito da SIDA : “…as pessoas não deviam pensar que os profissionais de saúde devem sempre dar o exemplo e como tal usam sempre preservativo... nem passa pela cabeça dos cidadãos as aberrações que trabalham nos nossos hospitais e esquecem-se também que as não-aberrações são humanas e como tal, falíveis. A questão é que quando as coisas se passam connosco, talvez por lidarmos demasiado com a morte, temos tendência a desesperar e a esquecer aquilo que sabemos.”

Há casos em que médicos infectados, não têm a noção de como tratar o VIH, por não ser esta a sua especialidade. Procuram colegas especialistas em grandes centros para os tratarem e em sítios onde não sejam conhecidos, pois o efeito discriminatório em relação à SIDA, faz-se notar também nos serviços de saúde e o terror de que os colegas de equipe venham a saber da sua infecção é um pesadelo do qual não se podem livrar.
Certamente terão os seus privilégios em relação ao levantamento de medicamentos nas farmácias hospitalares, e em análises mais regulares, e poderá mesmo haver a vontade de se especializarem na doença e se auto-medicarem e tratarem. Eventualmente poderão também não temer a perda do posto de trabalho, pois a Ordem e entidade empregadora sabem que a sua infecção não representa qualquer perigo para as pessoas que tratam e não é impeditiva de exercerem a sua profissão. Quando muito poderão ser transferidos de serviços onde haja perigos residuais para os doentes, como é o caso do conhecido cirurgião infectado que creio deixou de fazer cirurgias onde poderia haver riscos para os doentes em caso de um acidente durante as mesmas.

Os médicos não estão imunes à infecção pelo HIV, e a informação e conhecimentos que têm nem sempre actua como defesa, pois o “acontece só aos outros” é uma realidade que faz parte das fraquezas humanas. Se numa classe bem informada e conhecedora isso acontece, como poderemos condenar e julgar o comum cidadão que é infectado dizendo que existindo tanta informação só se infecta quem quer.
A classe médica deverá ser a que tem a taxa mais baixa de infecções, ou pelo menos isso é o que o comum cidadão espera deles. Será que isso é uma realidade ou que pelo contrário a taxa de infecções é similar à de outras profissões de um extracto social semelhante, mas que os médicos têm uma capacidade superior de as manterem camufladas e no anonimato?

17 comentários:

Alexa disse...

Amigo
Bom texto
em que fica a pergunta mo ar.
Eu penso que os médicos e enfermeiros têm uma taxa similar à de ouras profissões do mesmo extracto social.Têm
é uma capcidade superior de as manterem camufladas.
B
E
I
J
O

Biby disse...

Olá Raul!
Lembro-me que há alguns anos atrás foi feito um estudo sobre conhecimentos e atitudes face ao VIH numa faculdade de medicina com alunos do ultimo ano. Na altura os resultados foram catastroficos com os ditos alunos a referiam que se podiam infectar no tampo de uma sanita ou por talheres mal lavados... Eram alunos de medicina!
Aposto que se fizessem hoje um estudo destes em várias universidades iriam ficar espantados com as respostas erradas!
Os médicos tal como a maioria das pessoas sentem-se ainda imunes ao VIH... ainda é uma doença que só acontece aos outros.
Beijinhos
BIBY
PS- Quanto a mim já estou a tentar dar o meu contributo e mandei os meus alunos fazer um trabalhinho sobre o VIH que vai ser discutido nas proximas aulas.

sideny disse...

Raul

Os médicos sâo humanos como todas as pessoas.
Claro que correm risco de se infectarem, durante uma cirugia
como uma enfermeira que se tenha picado numa agunha, que tenha sido utilizada num doente infectado.

Que têm acesso mais rapido aos medicamentos há isso têm, que devem estar muito bem esclarecidos sobre a doença deviam estar,mas nem todos o estão.è verdade sim.
E que alguns andam no anonimato claro que devem andar,até hoje só ouvi falar de um médico infectado.
Bom texto.
beijocas

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
Não sei se entre a população médica os casos de HIV têm alguma expressão estatística. O que me é dado conhecer são casos isolados que atingem grande mediatismo pelos preconceitos que ainda persistem em relação à doença associados também à falta de informação.
Não estou a ver um médico utilizar em si próprio uma seringa infectada. Já admito que possa ter uma relação ocasional desprotegida e ser infectado por essa via. Afinal os médicos são humanos e têm, como qualquer outra pessoa, os seus momentos de fraqueza. Alguns dos que desaconselham o tabaco aos seus pacientes são eles próprios fumadores inveterados.
Relativamente ao contágio por tratamento a doentes infectados pelo HIV não me parece que aconteça na medida em que as precauções existem e eles as conhecem.
Em suma, o que me parece relevante é que caiam as barreiras que separam os médicos eventualmente infectados dos seus doentes e vice-versa.
No estádio actual do conhecimento das características da Sida e das suas formas de propagação a doença, que muito em breve poderá ser curada através da vacina, está perfeitamente controlada em termos de contágio. É só cumprir um número restrito de regras básicas. E desmistificar "o papão" naturalmente.


Abraço

R.Almeida disse...

Alexa
Certamente a classe médica tem informação,conhecimentos e recursos
à sua disposição que outros não têm.
Por exemplo a proflaxia PEP até há bem pouco tempo era apenas disponibilizada para profissionais de saúde.
O grande problema consiste na máxima "acontece só aos outros" a qual se aplica a todos os extractos da sociedade.
Bjs

R.Almeida disse...

Biby
Houve vários estudos não só entre estudantes de medicina, mas também entre universitários e chegou-se à conclusão de que havia vulnerabilidades chocantes devido à falta de conhecimentos nesta àrea.
Recorda-me um estudante que aparentava estar bem informado referir-se ao perigo de se ser infectado na sanita de uma casa de banho publica. Levou a resposta que merecia e foi-lhe aconselhado
a ter muita atenção quando se sentasse numa sanita publica verificar se o utilizador anterior já se tinha levantado.Enfim episódios pitorescos de algo sério como é a infecção pelo VIH. Bjs

R.Almeida disse...

Sideny
Acidentes de trabalho acontecem nos serviços de saúde. Verifico que muitas vezes quando me tiram sangue os técnicos de análises não usam luvas o que lhes dá uma certa protecção.Nas obras é necessário e obrigatório o uso do capacete de protecção mas os operários muitas vezes não o usam e acidentalmente levam com un tijolo na cabeça.
Creio, que a maior parte das infecções nos profissionais de saúde se deve ao não uso do "capacete" na cabeça inferior que quando se levanta inibe a outra de pensar. Como tu dizes e muito bem, são humanos como as outras pessoas e errar faz parte da nossa espécie. Bjs

R.Almeida disse...

Lídia
Os casos que chegam ao nosso conhecimento são os que aparecem nas páginas dos jornais. Acontece o mesmo ao comum cidadão, que esconde a sua seropositividade dos colegas de trabalho, dos amigos com quem convive e tantas, tantas vezes dos familiares mais próximos.
O estigma associado à infecção e a vergonha que muitos sentem a isso obrigam.
Ligado ao mundo gay por boas e sãs amizades, no qual se fazem por vezes revelações inesperadas, aconteceu há tempos saber de algo que fez com que ficasse atónito. Afinal de contas o que interessa saber se A ou B está infectado, se é médico, enfermeiro ou político?
Rondando as profissões, será que não há padres infectados? Eu não tenho conhecimento de nenhum. Ouço de quando em vez acerca de escândalos sexuais perpetrados por clérigos, mas como todos os seres humanos eles não são imunes à infecção.
Voltando aos médicos, e pessoal que trabalha com seringas e objectos cortantes os acidentes podem acontecer e haver contacto com material infectado.
Isso é mais ou menos comum acontecer embora haja profilaxia para esses acidentes, o que lhes dá uma certa protecção.
Não existe protecção independentemente da profissão de qualquer ser humano, quando se têm comportamentos de risco e se deixam cair as defesas proporcionadas pelo conhecimento que possuem em relação à infecção pelo VIH.
A SIDA nunca nos acontece antes de estarmos infectados e a pessoa com quem estou tem tão bom aspecto que não pode estar infectada. É um pouco a teoria de que o peso do chumbo da bala, na roleta russa faz com que ela fique sempre na parte inferior do revólver e nunca no sítio do disparo. Certo é que por vezes uma pequena prisão no tambor faz com que o acidente ocorra.
É bom desmistificar a SIDA e não a considerar o “Papão” e embora seja uma infecção possível de controlar é necessário estarmos atentos, porque estar-se infectado não é nada agradável. As pessoas que tiveram o azar de se infectar que o digam. Bjs

Fatyly disse...

Mais um texto fantástico bem como os comentários.

Já todos disseram o que eu também penso e contribuo com a minha modesta opinião:
- acho que "a taxa de infecções é similar à de outras profissões de um extracto social semelhante", mas que deveriam ter mais formação/conhecimento lá isso sim.
Por vezes quando olho para os médicos em hospitais "sem nada" espalhados pelo mundo a tratarem de doentes como podem...penso na propagação, não só no HIV mas nos múltiplos viros mortiferos que proliferam por aí...

Quando vou dar sangue, todos os profissionais da saúde estão protegidos, mas por vezes quando vou fazer análises quase sempre não estão e aí faço o meu "discurso". Uns dizem que não conseguem trabalhar com luvas (eu também não consigo fazer nada com elas daí entender) mas digo, por acaso eu sei que não tenho HIV, mas o SR. ou Srª. não sabe não é? Corre riscos, bem como eu posso correr esses mesmos riscos com a sua atitude, já que também não sei se é portador ou não do virús e pode ocorrer uma "atrapalhação" e depois? Quase sempre oiço: olhe que tem toda a razão!

Para não falar do uso do capacete:)

Enganem-se quem julga que casos destes só acontece aos outros.

Beijocas

mariam [Maria Martins] disse...

Raul,

excelente post, como sempre!

conheço vários(as) profissionais de saúde, e como em outras profissões, uns mais que outros usam de cautela e prevenção... no exercício da sua profissão.
Mas, no âmbito familiar e social, são H e M em tudo iguais a todos-os-outros... logo...

Quanto ao esconder da doença(e é capaz de ser a primeira reacção de qualquer pessoa perante a descoberta da sua doença...), no caso destes profissionais, provavelmente para poderem continuar a exercer a profissão sem sobressaltos, talvez p'lo receio que os pacientes percam a cumplicidade e confiança que habitualmente depositam n'eles, é provável que sintam maior necessidade de esconder ou camuflar a sua doença...

grande abraço,
deixo um ramo de frésias e o meu sorriso :)
mariam

R.Almeida disse...

Fatyly
O não uso de luvas, durante as colheitas de sangue é comum e já me disseram o mesmo que as luvas de latex não dão muito geito para tirarem o sangue no entanto penso ser tudo uma questão de hábito.
A protecção que as mesmas proporcionam na minha opinião é muito reduzida, pois o maior perigo está numa picadela acidental com uma agulha infectada e aí o latex é perfurado fácilmente e não constitui protecção. A protecção a existir é em relação a pequenos cortes que possam existir nas mãos dos técnicos de colheitas, que poderão estar em contacto com sangue infectado. O algodão embebido em alcool para estancar o sangue no local da perfuração representa um risco residual. De qualquer maneira eles são profissionais e no desempenho da sua actividade profissional escolherão a maneira mais fácil para fazerem o seu serviço tendo informação dos riscos que poderão correr. Fora da actividade profissional, mesmo com informação priveligiada e conhecimentos sobre a infecção pelo VIH e não só,cabe a cada um tomar as devidas precauções à semelhança de qualquer outra pessoa. Bjs

R.Almeida disse...

Mariam
Tem toda a razão quando refere que no dia a dia os profissionais de saude são iguais a qualquer outra pessoa e que procedem de maneira similar, havendo os que correm riscos e os que os evitam.
Quanto à segunda parte do seu comentário acho pessoalmente que em relação aos pacientes não há perda de confiança pois não vão dizer a qualquer doente que entra para uma consulta que são infectados pelo HIV ou de qualquer outra patologia de que padeçam.
Creio que o maior receio é para com os próprios colegas e quanto ao exercicio da profissão o HIV não constitui impedimento ao exercicio da mesma e isso está definido pela ordem dos médicos. Poderá haver um impedimento relativo, na parte de cirurgias para protecção dos pacientes em caso de acidentes com agulhas e material cortante como bisturis e tesouras os quais não são tão raros como se possa imaginar. Conheço casos relatados de médicos cirurgiões, que em intervenções a pacientes infectados pelo HIV se picaram com material infectado e tiveram de tomar retrovirais durante um mês cumprindo a profilaxia PEP , desenhada para esses casos. Bjs.

Arnaldo Reis Trindade disse...

Raul, faço minhas as palavras da lídia!


obrigado, abraços

carla disse...

pela experiencia que passei recentemente e pelas pessoas que conheci nos ultimos tempos, posso dizer que há mais médicos infectados com HIV, do que as pessoas pensam...
a informação existe, é verdade, e está disponivel... no entanto, toda a gente tem uma vida privada, um parceiro, com quem, supostamente tem uma relação de intimidade e confiança. ainda mais quando ambos os parceiros fazem testes de HIV,cujo resultado é negativo, não há, a partida, razões para utilizar preservativo, pois, é incomodo... no entanto, existem as relações extra-conjugais, em que não se sabe com quem "nos deitamos". e assim se fica infectado, não curso de medicina que nos valha.
Acho que este texto foi, sem duvida, muito bem escrito e não podia ser mais oportuno.

R.Almeida disse...

Arnaldo
Obrigado pelo comentário. Eu acho que respondi complementando mais algumas partes do excelente comentário da Lídia, pessoa extremamente inteligente e focando sempre pontos que estimulam o debate e nos fazem pensar. Os comentários dela são tão pertinentes que fico com eles gravados em memória, Numa das partes do comentário ela fala de médicos fumadorer "invertebrados" e que acomselham aos seus doentes a não fumar,tantas e tantas vezes com o maço de tabaco no bolso da farda de trabalho (bata branca)visivel aos olhos do paciente que até consegue ver a marca através do tecido branco imaculado. Isto leva a pensar tanta coisa.... e nesse pensar somos livres de nos passar pela ideia que o que ele nos recomenda não é tão importante pois se o fosse ele (médico)desistiria de fazer algo que se faz mal a nós também o deve fazer a ele. Nos comportamentos de risco o mesmo acontecerá e daí podermos pensar que as recomendações feitas pelos médicos para a protecção pelo HIV poderão ser quebradas pois eles também quebram as regras.
Acho que é um pouco a tão pregada frase dita pelos nossos padres " Faz o que eu digo não olhes para o que eu faço". Um comentário redirecionado ao comentário de outro comentador merece sempre resposta e foi o que eu fiz pegando num pequenino excerto do comentário da Lidia.
Um abraço e apareça sempre e quando tiver tempo exprima a sua opinião dizendo o que lhe vai na alma sobre o tema.

R.Almeida disse...

Carla
Adorei a tua participação com um comentário que a mim me diz muito mais pela troca de emails que fizemos.Não sei até que ponto queres guardar o anonimato e não vou estender-me na resposta, deixando à prespicácia dos nossos leitores a ligação a textos publicados e à relação entre eles e a tua pessoa.
Quanto ao numero de médicos infectados apenas digo em acrescento ao teu statement que realmente há mais infectados do o numero que possamos pensar e que o que aparece nos midia é apenas a ponta do Iceberg.Qualquer cidadão independentemente da sua profissão tem o direito de não revelear a sua infecção pelo HIV. e os médicos não são excepção. Era só o que faltava :)
Beijos

Anónimo disse...

Obrigado por não me deixarem sozinho.