TOBIAS I

O Tobias, tem agora 7 aninhos, e nasceu infectado com o HIV. Sua mãe biológica, só perto do final da gravidez e por estar doente recorreu aos serviços de saúde e acompanhamento de grávidas onde se descobriu que estava infectada. Não foi possível ser tratada durante a gestação devido a este facto, o que poderia contribuir grandemente, para que o bebe não nascesse infectado. Não quis o filho e este foi entregue a uma instituição para ser adoptado.
Tobias era um bebé lindo, com uns olhos grandes e muito vivos. No seu processo estavam escritos dois pormenores, raça: africana (mulato), doenças: infectado com o VIH/SIDA.
Os seus 3 primeiros anos de vida, foram passados em instituições que acolhem crianças para adopção. Candidatos a pais adoptivos, zero.
O Zé Manuel, tem 38 anos, e é o filho mais novo de uma Distinta Família Burguesa da nossa sociedade. Rebelde como só ele abomina as classes sociais, sem contudo deixar de desfrutar das mordomias de sua ilustre família. É uma espécie da ovelha negra da família. Ainda bem novo o desgosto da perda da mãe, levou-o a dedicar-se aos estudos, licenciou-se, prosseguiu com cursos pós graduação e ganhou notoriedade dentro da sua profissão. Ganhou a sua independência económica e o ser rebelde estava-lhe no sangue continuando a ser um revoltado contra o mundo em que vivia. A família preocupada com o status social, arranjou-lhe uma noiva namoraram durante dois anos e as coisas corriam bem. Casaram e não demorou muito que Zé viesse a conhecer a sua mulher, o que não tinha acontecido em dois anos de namoro. Depois da lua-de-mel decidiu divorciar-se o que conseguiu em tempo recorde, duas semanas ou um pouco mais. Mudou várias vezes de local de trabalho, isso não era problema para ele pois era desejado por muitas empresas, tinha casa própria, namoradas QB, mas gostava de ter um filho, só para ele, para o educar e para lhe dar o muito amor que tinha em si. Pensou em adoptar uma criança, e para o Zé pensar é já estar em acção.
Uma deslocação, tipo relâmpago a Lisboa, inicio de todo o processo de candidato a pai adoptivo, e o Zé pôs toda a maquinaria burocrática a mexer e nisso ele é perito e não brinca em serviço. Definitivamente ele estava absolutamente decidido a ser pai adoptivo.
Entre as muitas crianças para adopção, havia um miúdo, moreninho, com olhos muito vivos que estava assustado no meio das outras crianças, cativou o Zé de imediato. Dirigiu-se a ele, pegou-lhe ao colo e o pequenito abraçou-se a ele encostando a sua cabecita ao seu ombro. O Zé acariciava-o e sentiu naquele momento que aquela criança era o filho que desejava e a quem iria dar todo o amor de sua vida. A fusão estava feita, e ele teria de levar o seu filho rapidamente para o seu lar.
O ano que decorreu, enquanto o processo de adopção corria os trâmites legais com carácter de urgência, Zé andava numa correria entre Lisboa e o norte do país onde vivia e trabalhava. Levava o miúdo a passear, passava os fins-de-semana com ele e ambos estavam felizes.
Acho que já compreenderam que a criança era o Tobias, o mulatinho infectado pelo HIV.
O processo de adopção correu bem. Pudera, candidatos a pais adoptivos de crianças de outras etnias não são muitos e se lhe acrescentarmos a infecção pelo HIV, então poderemos dizer que são extremamente raros. Crianças com este curriculum estão condenadas a viver em instituições até à idade adulta.
O Grande dia chegou. No registo de Tobias o sobrenome de uma ilustre família, filho de José Manuel …. Avô paterno, o pai de José Manuel, avó paterna a mãe de José, local de nascimento o verdadeiro, onde ele nasceu. Nenhuma referência à origem biológica.
José estava ansioso, mostrar o seu filho ao pai e a toda a família. Durante o processo de adopção, todos lhe chamavam inconsciente e irresponsável. Isso pouco importava a José, sempre foi o rebelde da família e já estava habituado. Acho mesmo que lhe dá prazer argumentar e refutar as ideias da família. Detesta a burguesia, e a podridão que existe nela, mas vai desfrutando das mordomias que a classe alta na qual foi criado, tem. Que ninguém se atreva a discriminar mesmo de forma subtil o seu filho. Isso é uma declaração de guerra e quando José entra numa guerra é para vencer.
Tobias ia entrar pela porta grande num mundo novo cheio de conforto. Ia conhecer o avô, os tios, as tias e os seus primos e primas crianças como ele. Rumo ao norte com seu pai, iam cantarolando canções infantis que José lhe havia ensinado. Iria conhecer a sua casa, o seu quartinho e os brinquedos que lá havia e que eram só dele a partir de agora.
Esta história é pura ficção e qualquer semelhança com algum caso real é pura coincidência. O próximo texto relatará a vivência e o desenvolvimento de uma criança seropositiva ao HIV, as tomas de medicamentos, as idas regulares ao médico infecciologista , as análises de rotina e tudo o mais que possa de alguma forma relacionar-se com o HIV numa criança, que nada fez para estar infectada pelo maldito vírus da SIDA.
Autor: Raul RU2X

13 comentários:

Isabel Filipe disse...

Gostei muito deste teu texto ...

Acredito que o facto de uma criança não ser branca, não constitua hoje grande impedimento para adopção ... existem imensos casos ... agora uma criança portadora duma doença ... seja com que doença for ... não terá infelizmente grandes hipóteses de adopção ...

beijinhos para ti

Coragem disse...

Raul, fiquei muito triste com o final da história...
Sou uma sonhadora e,como tal acreditei tratar-se de uma história real.
Eu não adoptei, sou Mãe de acolhimento, e não escolho as crianças que se sentam ao meu colo, mas garanto se fosse um menino como o Tobias, não me importava nada, até porque, apesar do trabalho todo que possam dar inerente à doença, existe outro tipo de trabalhos que as crianças fisicamente saudaveis nos dão...
O trabalho psicológico, que nos leva a reestruturar durante anos o que alguém negligente fez questão de deitar por terra.
Beijinho, aguardo o final da história apesar de ficção.

Biby disse...

Eu sei que é frequente mães seropositivas abandonarem os filhos sobretudo se estes tambem estiverem infectados. Mas curiosamente tambem muitas encontram nos filhos a vontade de lutar pela vida, passam a ter melhores cuidados de saude e até a aderir melhor á medicação, tudo em nome de cuidar dessa criança. Esta história que conta é infelzimente uma história e acontece raras vezes. Na maioria dos casos o final é INfeliz...

R.Almeida disse...

Isabel
Infelizmente o que diz acerca de diferentes etnias, ainda é para muitos um factor de rejeição,cada vez menos porque as mentalidades estão a mudar.Quanto a serem portadores de qualquer deficiência ou doença crónica o panorama é muito pior.
Coragem
Certamente não iria querer, que eu pusesse os nomes reais dos intervenientes neste relato. O HIV acarreta estigma e discriminação e é preferivel dizer que é apenas uma história.Certos pequenos detalhes,que relato fariam de mim um bom escritor com uma imaginação fora do comum e isso é coisa que não dou :)
Biby
Para um casal infectado,o desejo de ter um filho pode contribuir em muito para que a auto-estima,desse casal se revele e é uma benção.Normalmente as mães são tratadas durante a gravidez e a percentagem de crianças infectadas é minima felizmente.
Crianças para adopção infectadas pelo HIV normalmente estão condenadas a viver em instituições até à idade adulta, infelizmente.
Raul

SILÊNCIO CULPADO disse...

Raul
Teria preferido um exemplo a sério porque, assim, tenho dificuldades em perceber como joga o relacionamento e as representações sobre a doença.
Mas alguns factos são de ressaltar nesta história.
Há a história duma mãe que não tem história e cujo comportamento sexual se inscreve numa zona de risco onde falta a informação e os cuidados médicos necessários. Os tais cuidados que poderiam ter evitado que Tobias nascesse infectado.
Por outro lado, fala-se do amor que, supostamente, os pais adoptantes devem sentir levando-os a assumir os handicaps duma doença que os pais biológicos não conseguiram lidar.
É um quadro complicado, Raul, e não é por acaso que descobriste esse personagem da classe alta/média alta, suficientemente endinheirado para fazer face às despesas com os apoios e tratamentos que uma criança infectada com HIV requer e, também, suficientemente louco para não valorizar todo um conjunto de problemas associados a esta situação.
É preciso perceber o quanto a vida está difícil para uma grande camada da população que não consegue ter filhos devido à precarização do trabalho, baixos salários e os longos períodos fora de casa devido a horários de trabalho dilatados acrescidos dos tempos perdidos nos transportes. Como é que uma pessoa, que já terá imensas dificuldades com crianças que não tenham problemas de maior, se sente apta a candidatar-se a uma situação dessas?
E isto partindo do princípio que as representações sobre o HIV, ainda em zona de penumbra, não influam na decisão o que, naturalmente, não acontecerá. Por isso todo o esclarecimento é pouco e, a par desse esclarecimento, há que lutar por condições que permitam às pessoas assumir, com dignidade, um sem número de circunstâncias que causam constrangimentos.
Um abraço

R.Almeida disse...

Lidia
Um exemplo a sério? Lê o meu comentário dirigido a Coragem.No entanto poderá acontecer alguém escrever um comentário a autenticar a história, mas como deves compreender não serei eu a fazê-lo, por questões óbvias.
Um abraço :)

Odele Souza disse...

Raul,

Se a adoção de crianças saudáveis já é difícil, imagine-se a adoção de crianças sopositivo. Cruel esta realidade.

Um abraço.

amigona avó e a neta princesa disse...

Esta é uma situação muito complicada. Subscrevo as palavras da Lídia e da Odele. Felizmente que este exemplo vem de alguém com dinheiro e vida fácil. Claro que podia fechar os olhos mas não o fez. Essa foi a diferença. mas também há quem, apesar das dificuldades, abra a porta ao AMOR!
Beijinhos Raul...

Compadre Alentejano disse...

A adopção em Portugal é muito complicada.E quando é um miúdo com um problema de saúde, ainda mais complicada é.
Mas é necessário que apareçam pessoas como o Zé e se interessem pelos mais desfavorecidos.
Bem hajam.
Um abraço
Compadre Alentejano

zé lérias (?) disse...

Um abraço meu bom amigo.
Força com sua(s) (nossa/s) luta(s).
Infelizmente vou ter que me manter afastado destas teclas, de um modo regular, durante algum tempo, a conselho de oftalmologista.


Desejo-lhe um bom fim-de-semana.

Fatyly disse...

Até pode ser ficção, mas há quem tenha essa coragem em prol de crianças que não pediram para vir ao mundo e muito menos condenadas pelo estigma da descriminação - da doença e raça.

Gostei e comovi-me muito!

Beijos e um bom fim de semana

Vega disse...

Ruru tenho tido imenso trabalho e estive fora daqui por isso não pude comentar o post oportunamente mas, apesar de alguns exageros próprios da ficção, reconheço algumas semelhanças entre episódios da vida real.
Li, em comentários aos teus posts, que por esta altura já foste submetido a nova intervenção cirurgica. Vou guardar para um email privado (uma vez que o teu número de telemóvel se estuporou juntamente com o dito aparelho) todos os raios e coriscos que te vou soltar por não mo teres contado. Por ora, desejo-te rápidas melhoras.
Beijinhos!
Vegana

Vega disse...

Só agora li com mais cuidado comentários anteriores e não posso deixar de discordar com algumas frases que foram ditas. Em primeiro lugar, dizer-se que alguém tem dinheiro ou pertence a determinada classe é algo muito relativo porque não são definições estanques. Para mim a noção de alguém que tem muito dinheiro é necessariamente diferente da de outra pessoa qualquer. O Ruru fez referencia à classe e à suposta abastança para enquadramento da história. Em segundo lugar, o dinheiro não significa ausência de problemas como li por aí algures.
Em terceiro lugar, uma criança seropositiva não dá mais problemas que outra criança qualquer, nem requer maior gasto de dinheiro. Os medicamentos são comparticipados pelo Estado.
Ou seja, a tónica menos importante da história, do meu ponto de vista, não é a questão social mas curiosamente foi a mais referida.O que interessa, penso eu, é reter que a adopção de uma criança com HIV não representa qualquer acréscimo em relação à de outra criança qualquer. Não é preciso o adoptante ter uma profissão estável e suporte financeiro, ou provir de uma família sem carências económicas. Qualquer pessoa pode adoptar uma criança seropositiva e nem sequer implica grande perda de tempo porque as idas aos médicos são espaçadas no tempo. O que falta é informação. E o que importa é centrar o interesse na criança e não na mãe, se é endinheirada, se veio de boas famílias ou se é católica praticante.
Desculpem-me mas estou com SPM e não consigo dar a volta ao texto para torná-lo mais soft.
Beijos
Vegana