A Grande Descoberta

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Mais uma ida ao hospital para uma espécie de consulta de infecto relacionada com o HIV. Há mais de um ano que não tinha qualquer consulta e vim reencontrar velhos amigos que durante anos fui conhecendo e dos quais sentia saudades.
Recordo o tempo das deslocações mensais ao hospital para levantar a medicação, fazer análises e consultas. Por vezes recorria às urgências por um ou outro motivo relacionado com efeitos secundários dos medicamentos. Foram internamentos, cheguei a ser operado, enfim um sem número de acções médicas que não quero recordar.

As coisas sofreram uma mudança radical. Os doentes infectados com o HIV passaram a ser vistos pelo médico de família, têm controlos trimestrais da carga viral durante o primeiro ano de infecção e logo que fazem a injecção de “Enxota-o-Vir”, caso esteja tudo normal ao fim desse periodo passam a ser vistos apenas uma vez anualmente no hospital. É o meu caso e uma vez que fui dos primeiros a experimentar esta nova terapia revolucionária é a segunda vez que venho ao hospital num período de dois anos.

Ao passar pelas ruas do hospital, com as suas velhas árvores que nostalgicamente me lembram os tempos em que o mesmo era quase uma extensão da minha casa, deparei-me com o velho pavilhão G, onde recebi a notícia da infecção. Nessa altura também ela revolucionária porque as antigas terapias HAART chamadas de tri-terapias com compostos diferentes entraram em cena e diminuiram a mortandade por destruição do sistema imunitário e pelas doenças oportunistas. Foram estas terapias altamente tóxicas e com efeitos secundários adversos que me mantiveram vivo até aos dias de hoje, que me permitiram e a tantos outros infectados ser parte da história da SIDA, podendo usufruir das novas descobertas que tornaram possível ao organismo manter o vírus adormecido sem se reproduzir.

A consulta hoje é diferente, é uma consulta colectiva com a presença de elementos do governo e especialistas na matéria e é levada a cabo no auditório do hospital. Irão falar do aumento de novas infecções, e do sucesso da introdução do “Enxota-o-vir”.
A resposta imediata do sistema imunitário dos que foram inoculados com o “Enxota-o-vir”que agora reconhece a presença de agentes patogénicos como o HIV impedindo a sua reprodução, levou a que se pensasse que a cura já existia esquecendo–se que se deviam proteger. Com anos de sexo reprimido pelo medo do HIV que mesmo assim não impediu o alastramento da doença, esta nova descoberta e a vontade de sexo sem barreiras fez com que as novas infecções disparassem para números nunca vistos. Descobriu-se que um elevado número de infectados desconheciam o seu estado serológico, e os estudiosos entenderam que antes havia prevenção com o uso do preservativo e que apenas uma pequena percentagem descurava esse procedimento preventivo. Ainda houve vozes que atribuíam as culpas ao novo medicamento, que levava as pessoas a pensar que estavam curadas, mas uma vez que a comunidade científica aceitou há muito que as cargas virais suprimidas não tornavam os portadores do vírus agentes infecciosos, tiveram de se render à evidência dos factos.
Actualmente há um dilema e um debate mundial acerca do HIV. Deixar que o curso do vírus se extinga normalmente com o decorrer dos anos até desaparecerem os infectados não tratados e que desconhecem o seu estado serológico ou obrigar toda a população mundial a fazer o teste ao vírus e a ser inoculada de imediato caso se verifique a infecção.
Há grupos que defendem que todas as pessoas deviam ser infectadas e logo a seguir inoculadas com o “Enxota-o-Vir”, para que sendo todos iguais não houvesse vestígios do estigma de que no passado os HIV positivos foram vitimas e ainda continuam a ser embora de forma mais suave.
De uma forma ou de outra dentro de poucos anos o HIV pertencerá ao passado. Não foi encontrada a cura ou a eliminação do vírus mas uma forma de o manter inofensivo para o seu portador e evitar que se alastre a outros portadores.
Dentro de outros tantos anos desaparecerá da face do planeta ou encontrará à semelhança das bactérias ultra resistentes a antibióticos, alguma forma de sobreviver com formas resistentes ao enxota-o-vir e a outros compostos que entretanto se venham a desenvolver.
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Ouço um barulho de pessoas a movimentarem-se, acordo de repente e encontro-me num auditório a escutar uma palestra (que terminara finalmente) em que o orador era o coordenador nacional para a SIDA. Nunca me tinha acontecido adormecer tão profundamente. Quando era fumador ia lá fora fumar um cigarro para não adormecer. Hoje, para não apanhar frio fico confortavelmente sentado dentro do auditório e adormeço. De qualquer maneira e para ser honesto garanto-vos que gostei deste sonho. E como estamos em época de troca de prendas aqui fica este texto dedicado a todos os leitores que aqui vêm e que nos encorajam a prosseguir a caminhada. Um bem-haja a todos.

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16 comentários:

Biby disse...

Olá Raul!
Como sabes tenho andado pelo hospital nestes ultimos dias e tenho ouvido e aprendido muito.
Uma das coisas que me tem chocado são as pessoas que se "infectam por amor" coloquei aspas porque não acredito que o amor verdadeiro permita que alguem se infecte de proposito. Pelo menos duas mulheres disseram-me que conhecendo o estado serologico do parceiro fizeram sexo sem preservativo para se infectarem de proposito e assim tornarem a sua relação mais forte, unidas no amor pelo vih. Achei tão estranho, chocada talvez seja o termo mais exacto.
Ás vezes acho que o mundo anda todo maluco!
Uns a lutar contra o virus e outros a lutarem para o adquirir.
PS- Para quando o nosso texto conjunto?
Beijinhos
BIBY

Odele Souza disse...

Um belo sonho sem dúvida Raul. Que um dia não muito distante, haverá de ser realidade.
Gostei de ler: "Quando eu ERA fumador". Ponto pra você.

Um forte e carinhoso abraço.

R.Almeida disse...

Biby
O que relatas é uma realidade que passa despercebida a muitas pessoas.
Insanidade mental? Não sei o que te diga, mas se assim fôr há muita gente a bater mal.
Por estranho que pareça e ao contrário do que possam dizer atitudes como esta não são exclusivas das classes mais baixas e menos cultas ou informadas.
Um bom texto para fazeres um texto a solo ou em conjunto se assim o desejares, com tempo e depois de afinado o que não aconteceu com o texto anterior que escreveste e eu completei e que teve de ser publicado para preencher um buraco.
Vais ver tanta coisa incrivel e só espero que não te envolvass demais ou poderás sair magoada porque ninguém está preparado profissionalmente para encarar de rajada a realidade do mundo da SIDA, idependentemente da formação académica que tenha. Beijos

R.Almeida disse...

Odele Amiga
Obrigado por seu comentário. Essa de ganhar um ponto está dificil, pois foram muitos anos de fumo e acredite que a vontade está sempre presente, mas agora sei que não posso tocar no cigarro, pois ele é superior a mim e se mesmo a brincar, eu der uma puxa ele domina-me de novo e passa a escravizar-me outra vez.O desejo é forte mas passa depressa e quase sem notar passaram os dois meses e vou a caminho do terceiro mês.
Toda a força do mundo para ti e para Flavia
Abraço carinhoso

Eme disse...

Que as coisas evoluiram para melhor temos de admitir: consultas de infecto apenas uma vez por ano após a situação controlada tiram o peso dos ombros dos que se descobrem infectados e pensam que a próxima vida é só hospitais e agulhas. E porque não há de continuar a melhorar cada vez mais?

Beijos

PS:
E nunca mais entro numa sala de congressos contigo, ou melhor, não me volto a sentar ao teu lado. Haja vergonha, passei o tempo a sacudir-te quando caías para o lado a dormir.

R.Almeida disse...

Cara M.
Ainda bem que não ressono, ou a palestra teria sido muito mais interessante,com a plateia atenta a rir em vez de estar meia adormecida com a eloquència do orador que tem o dom de estar a falar durante uma hora sem nada dizer. Sou mesmo mauzinho, não é?
Beijos

mundo azul disse...

...sinceramente, alguns palestristas deveriam só falar o estritamente importante... Haja vontade para ficar ouvindo palavras sem conteúdo!

Gostei de ler o seu texto, Paulo... Uma maneira de ter contato com um problema que não vivo, mas, com o qual sou solidária.


Beijos de luz e o meu sincero carinho!!!

Fatyly disse...

Senti nesse sonho a tua revolta (que é mais que natural pelo muito que já sofreste psiquicamente e fisicamente) e uma dose de descrença sobre a evolução positiva até À CURA, apesar do aumento de infectados(AS) que é outra história, vai ser mais cedo do que julgas.
O que é que pagas? Apostado:)

Quanto aos oradores...há alguns que dão sono e eu também já adormeci em algumas palestras e até os deputados na bela Assembleia da República.

Ohhhhhhhhh M para a próxima dá-lhe um beliscão:)))))

De qualquer forma obrigado por mais este teu gesto versus prenda, embora ao longo do ano já tenha recebi muitos, lendo-te(vos).

Beijocas

sideny disse...

Estou muito contente que nao tenhas
fumado 3 meses é muito bom.
continua assim.
quanto aos congressos em adormeceres,deixa-la tambem ja fechei os olhos nalguns,porque realmente as vezes são uma seca.
quando não ha auscultadores para nós ouvirmos a traduçao e terrivel.
e depois do almoço uhi... nem te conto.
ah ...o animal de estimação esta calmo?
beijocas

f@ disse...

Olá Raul,
amanhã venho ler... meio partida e ensonada...só vim deixar um beijinho de boa noite
+ abraço gigante

ManDrag disse...

Salve! Raul

O sonho faz parte da vida. E esta seria bem mais fácil se todos soubéssemos entender os sonhos e viver com e segundo eles.

Bem-hajas por partilhar connosco esta experiência pessoal.

Salutas!

isabel mendes ferreira disse...

roubo o ramo de túlipas ali em baixo e re.coloco-as aqui.
em homenagem a este post.



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Obrigada.

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muito.

ivone disse...

raul de teu nome não é? só hoje tive o prazer imenso de entrar na tua casa.a voltar com calma obviamente.não te vou dizer nada sobre a reflexão que aqui tens. tenho de a interiorizar mais. é uma situação nova para mim a que tu vives.desculpa não te deixar ainda palavras de ânimo e alento porque não sou capaz de te dizer o que me passa no coração neste momento.prefiro manter_me calada sobre isso porque muito muito muito teria para te falar. hoje não. não me sinto capaz. este abandono prometo será temporário. um dia quando entrar te direi então o que me passa pela alma.

beijo


ps: agradeço_te imenso as palavras deixadas no meu espaço. foste o único que percebeu o que eu senti na altura. decidi não desistir. tal como tu!

Maria Dias disse...

Oi Raul,

Estou passando para deixar votos a vc e todos os amigos do Sidadania. Estou deixando meu Avesso por um tempinho e algumas pessoas merecem meu carinho todo especial(não poderia me ausentar sem por aqui passar).Vcs estão sempre nos meus pensamentos(acreditem).Bem, este sonho me fez ficar feliz Raul.Torço para q este dia chegue e sabemos q para que as coisas aconteçam e se concretizem um dia houve alguém q acreditou e sonhou.

Meu amigo, vc é um exemplo,seu blog é muito bem feito e explicado.Vcs TODOS são muito carinhosos e tenho certeza q todos os q aqui aparecem são muito bem acolhidos,sejam pessoas contaminadas ou não(eu mesma, continuo por aqui, pq além de achar o blog excelente me sinto sempre acolhida.Tenho sempre uma boa impressão de vcs,tenho sempre uma boa impressão do SIDADANIA.E isso se deve a todos mas em primeiro lugar a vc q um dia sonhou este lugar e realizou este sonho...Parabéns pelo belo trabalho q tem feito aqui e obrigada por tanta informação q com certeza vem ajudando á tantas pessoas!

Um Natal tranqüilo para todos e com certeza antes da virada do ano voltarei!

Beijos!

f@ disse...

Olá Raul,
Imagino se a palestra tivesse um som de fundo tipo rom rom dos meus gatos...
Parabéns pelo abandono do cigarro... tb passei 2 meses sem fumar.. depois comecei a fumar um na varanda... depois nas férias abrir aspas...- fumei... pensava eu retomar o abandono do cigarro assim que acabassem as férias... isto já foi em Agosto... agora é como se diz tudo é desculpa para fumar... ou porque se está triste ou porque se está alegre... por isso o melhor mesmo é fazer como tu.

O teu sonho ... a realidade e o sonho mto próximas tantas vezes...

Beijinho imenso das nuvens

f@ disse...

É que me esqueci de um aparte o comentário da BIBY fez-me lembrar "TUDO POR AMOR" da história tb por vós publicada em SIDADANIA ARTE DE Gala e Dalí... bem sei que nada tem haver só o facto de o ser humano ser mto complicado...
+ beijinhos das nuvens